Apoiar os órgãos de comunicação social?

A crise em todos os media, incluindo nomeadamente as publicações periódicas de âmbito nacional, impõe uma profunda revisão do modelo e âmbito dos incentivos.

A recente conferência sobre o financiamento dos media promovida pelo Sindicato dos Jornalistas e as intervenções do Presidente da República colocaram de novo o tema dos incentivos estatais ao setor na agenda mediática.

A comunicação social desempenha um serviço de interesse público essencial para a vitalidade do regime democrático, pelo que, de facto, o Estado não pode alhear-se das condições concretas em que ela desempenha as suas funções. É verdade que os media estão integrados num mercado de livre iniciativa, pelo que compete sobretudo às empresas assegurarem os recursos essenciais para a sua atividade. Mas o seu enfraquecimento pode afetar a sua liberdade e o pluralismo. Não basta garantir a liberdade de criação de empresas e os direitos dos jornalistas. É preciso assegurar tanto o direito a informar como o direito a ser informado, tal como aliás reconhece a Constituição, que prevê (artigo 38.º, n.º 4) a existência de apoios estatais aos media. Os incentivos constituem igualmente uma ajuda aos consumidores, pelo que o Estado deve preocupar-se com a rentabilidade de empresas cuja atividade é decisiva para assegurar a liberdade e o pluralismo da comunicação social.

No entanto, neste contexto de maior oferta informativa continua a justificar-se esse apoio estatal? Os novos media alargaram de facto, substancialmente, a oferta informativa, dando a muitos cidadãos a ideia de que, tendo acesso a muita informação gratuita, podem prescindir dos órgãos de comunicação tradicionais.

Porém, com esses novos media surgiram, não apenas um novo modelo de negócio, como também novos problemas, nomeadamente no rigor informativo. Continua insubstituível o papel da comunicação social, sobretudo a que resistir ao imediatismo sem ética nem deontologia e à ditadura dos clickbaits. Mas há agora, mais do que antes, novos desafios no setor: muitos dos novos media, a que temos acesso, por exemplo, através das redes sociais, exercem a sua atividade sem jornalistas nem qualquer escrutínio legal e regulatório, não prevendo a lei – que já deveria ter sido alterada há alguns anos… – qualquer obrigação nesse sentido ou sanção.

Grande parte dos países europeus, desde logo a França (mais de mil milhões de euros em 2017, dos quais cerca de 260 milhões em subsídios diretos) e os países escandinavos, cujos regimes de incentivos são tradicionalmente muito diversificados e abrangentes, tem adequado o modelo de apoios ao novo contexto mediático. Nesses países, o regime de incentivos, diretos e indiretos, continua a ser consensual.

Em Portugal, os apoios à imprensa existem desde 1974, mas de uma forma mais consistente e detalhada desde 1987. Os incentivos às rádios locais foram criados em 1997. Todavia, o montante dos incentivos diretos e indiretos tem diminuído claramente nas últimas duas décadas: em 2003, o montante global atingia os 17 milhões de euros, mas em 2018 não ultrapassou os quatro milhões…

Não são os subsídios estatais que ameaçam a independência dos media regionais e locais. O que verdadeiramente ameaça hoje a independência dos media é o reduzido número de leitores de jornais, a fragilidade de muitas empresas, a dependência da publicidade das autarquias, as publireportagens, etc… Nas rádios locais, a evolução também não tem sido positiva, apesar dos incentivos: um crescente número de estações tem a sua produção realizada fora dos concelhos para onde emitem e desvaloriza, por falta de meios financeiros, a componente informativa e de proximidade.

Por outro lado, os apoios ou incentivos estatais não impedem nem atrasam a modernização, a adaptação às novas formas de consumo e a inevitável mudança dos media. Existe de facto esse risco: os incentivos podem contribuir para atrasar necessárias mudanças estruturais nas empresas ou para ocultar eventuais ineficiências ou uma deficiente gestão empresarial e a sua adequação a novas tecnologias ou formas de consumo. Mas, em contrapartida, a concorrência entre empresas, potenciada pela existência de incentivos, obriga os media a evoluir e a acompanhar as mudanças no setor.

Os incentivos não devem limitar-se à comunicação social regional e local. É verdade que a comunicação social regional e local tem especificidades próprias relacionadas com a limitação do público-alvo, com reflexos no volume de investimentos publicitários. E, no caso da imprensa, há ainda a relação com os emigrantes e com os naturais daquela região ou cidade que vivem longe, o que implica um reforço da distribuição por via postal. Mas a crise em todos os media, incluindo nomeadamente as publicações periódicas de âmbito nacional, tal como o processo de deslocalização e concentração das rádios locais, impõem uma profunda revisão do modelo e âmbito dos incentivos. Incluindo, mesmo considerando a transferência de competências para a ERC concretizada nos últimos anos, um reforço da estrutura da administração pública afeta às políticas para a comunicação social, cuja integração numa entre seis unidades orgânicas da Direção de Serviços da Presidência do Conselho de Ministros, não dependente do ministro da Cultura e com um pequeno número de quadros, continua a constituir um erro, nomeadamente agora que foi nomeado um secretário de Estado para o Cinema, Audiovisual e Media, depois de vários anos de evidente desvalorização das políticas públicas para a comunicação social.

Nas últimas semanas, surgiram, sobretudo oriundas de entidades do setor dos media, diversas propostas de novos incentivos, desde estímulos fiscais às assinaturas de publicações periódicas, a oferta de assinaturas anuais a jovens, isenções do pagamento de IVA, a extensão às autarquias locais da obrigação de reservar aos órgãos de comunicação social regionais e locais uma percentagem da sua publicidade institucional até à integração das rádios locais no leque de órgãos de comunicação que transmitem tempos de antena eleitorais. Não é fácil nem adequado opinar sobre cada uma deste vasto conjunto de propostas sem uma avaliação rigorosa do seu custo/benefício. Importa, todavia, que o poder político a faça com urgência!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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