“Vergonha!” Ventura queixa-se a Marcelo e exige desculpas de Ferro Rodrigues

Num mês, é a segunda vez que o deputado do Chega pede intervenção do Presidente da República num assunto do Parlamento.

Foto
André Ventura (Chega) LUSA/JOÃO RELVAS

André Ventura catapultou-se para mais uma polémica, desta vez contra o presidente da Assembleia da República, de quem exige um pedido de desculpas - a si e a todo o Parlamento -, e vai queixar-se a Marcelo Rebelo de Sousa por Eduardo Ferro Rodrigues o ter “mandado calar" em pleno Parlamento. O deputado do Chega quer mesmo que o Presidente da República dê uma reprimenda a Ferro Rodrigues e já pediu uma audiência urgente a Marcelo. Em cinco semanas é a segunda vez que Ventura pede a Marcelo que intervenha junto de outro órgão de soberania, mas o deputado argumenta que o funcionamento do Parlamento não lhe dá “outra opção”.

Depois de mais uma vez ter repetido várias vezes a palavra “vergonha” contra o PS e a acção do Governo numa intervenção sobre projectos de lei para a remoção do amianto dos edifícios públicos, Ferro Rodrigues não deixou passar em claro e, quando Ventura terminou, disse-lhe que usa os termos “vergonha e vergonhoso com demasiada facilidade, o que ofende muitas vezes todo o Parlamento e ofende-o a si também”.

Ventura pediu para falar em defesa da honra - uma figura regimental permitida - e replicou que um deputado usa as “expressões que entender legítimas, no contexto que entender legítimo da liberdade de expressão que lhe é atribuída pela Constituição e pelo Parlamento”. Ferro Rodrigues cortou-lhe a palavra para vincar que “não há liberdade de expressão quando se ultrapassa a liberdade de expressão dos outros. Que é aquilo que o sr. faz na maior parte do tempo em que intervém.” O presidente da Assembleia da República (PAR) deu o caso por terminado não permitindo novos pedidos de defesa da honra apesar de Ventura continuar a dizer alto “vergonha”.

André Ventura saiu do plenário e uma hora depois convocou os jornalistas para dizer que o episódio no plenário foi de uma “tremenda e extraordinária gravidade” porque o PAR “mandou calar um deputado eleito pelo povo e não lhe permitiu o direito de defesa da honra”. O deputado do Chega disse que o seu gabinete foi “pesquisar quantas vezes a palavra vergonha foi utilizada noutras legislaturas” e “são imensas e de todos os partidos”. “O mais irónico é que a deputada Joana Mortágua utilizou logo de seguida a expressão vergonha não tendo sido sequer sancionada pelo sr. presidente.”

“O sr. presidente manda calar quem ele quiser. No PS, na casa dele, como ele entender. O Chega não se vai calar perante o PAR nem por nenhuma outra figura do PS”, avisou André Ventura. “Dada a gravidade dos factos”, o Chega já enviou a Marcelo um pedido de “audiência urgente atendendo ao que se passou hoje e porque está em causa o regular funcionamento das instituições”, descreveu o deputado. 

“Estes factos não podem ficar impunes. O senhor presidente da Assembleia da República tem de ser chamado à atenção. Se não aceita ser chamado pelos deputados, terá de ser chamado à atenção pelo sr. Presidente da República”, insistiu, dizendo que Ferro “não aceita a liberdade de expressão” e “acha que tem que agradar ao lado esquerdo do hemiciclo”. “Vamos até às últimas consequências contra isto”, ameaçou. “Primeiro repreendeu-nos e depois calou-nos porque o direito de defesa da honra não foi terminado; foi coarctado pelo sr. presidente que virou a cara e não me deixou terminar.”

O deputado justificou o recurso a Marcelo com o facto de este ser o “garante” do regular funcionamento das instituições - o termo usado na Constituição como razão para o Presidente destituir o Governo. “Vamos pedir que a primeira figura do Estado o faça [intervenha junto de Ferro Rodrigues]. Se não o fizer tiraremos, também, as nossas consequências... Há eleições presidenciais muito em breve e talvez os portugueses possam saber que Presidente querem para este tipo de situações - se é um Presidente que está no Natal dos Hospitais e ainda bem que está, e se passam coisas gravíssimas nesta casa e ele não tem que falar connosco. Ficará do lado do Presidente da República decidir se nos recebe e se entende que deve ou não chamar a atenção" do PAR, afirmou Ventura, colocando em Marcelo o ónus do capítulo seguinte da história.

O deputado fez questão de salientar que recebeu “muitas mensagens de solidariedade de todas as bancadas”, que depois não quis identificar. E até disse que vai pedir ao gabinete de Ferro Rodrigues que “envie uma lista com as expressões que não quer que sejam utilizadas no Parlamento. Mas que eu saiba não estão na Constituição. (...) Se é o presidente da Assembleia que decide que expressões podem ser utilizadas, então esta democracia acabou.”

Dizendo não querer pessoalizar em si o episódio - “Hoje não foi o deputado do Chega que foi humilhado, foram todos os deputados e a democracia” -, Ventura foi dando exemplos de tratamento diferente dado a outros deputados em situações idênticas. A Passos Coelho, por exemplo, houve quem o acusasse de “roubar o povo” e questionasse se não tinha “vergonha por ter sangue nas mãos”, quando Ferro já era presidente, citou Ventura, sem que na altura houvesse “qualquer indignação”.​ “Eu não vou deixar de dizer a palavra vergonha as vezes que entender”, garantiu.

Ventura já ia a Belém na próxima semana

O PÚBLICO sabe que o Presidente da República não irá receber pessoalmente o deputado do Chega por causa do incidente parlamentar. Mas André Ventura terá oportunidade de se queixar pessoalmente a Marcelo Rebelo de Sousa na terça-feira, quando este receber os partidos para audiências sobre o Orçamento do Estado para 2020 - a proposta do Governo dá entrada no Parlamento no dia anterior.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários