Rebanho de “cabras sapadoras” ajuda casal a refazer a vida após os fogos

Na procura de alimentos na Serra do Açor, os animais fazem o papel de “cabras sapadoras”, dando um contributo para minimizar a ameaça dos incêndios.

Luís Fontinha, de 40 anos, perdeu o armazém com todos os equipamentos nos fogos de 2017
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Luís Fontinha, de 40 anos, perdeu o armazém com todos os equipamentos nos fogos de 2017 LUSA/PAULO NOVAIS
As cabras ajudam a limpar os terrenos
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As cabras ajudam a limpar os terrenos LUSA/PAULO NOVAIS
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Um casal atingido pelos incêndios de 2017 pastoreia agora uma centena de cabras, na Serra do Açor, e espera que novos rebanhos venham reforçar a aposta numa economia do interior ambientalmente sustentável.

Abordoado a um pequeno sacho, Luís Fontinha, de 40 anos, sobe e desce os urzais do Rabadão, no concelho de Góis, na extremidade oeste da Serra do Açor, e procura que o rebanho não se disperse muito pelas encostas.

Muitas das fêmeas estão prenhas, o que permitirá pelo menos duplicar o número de efectivos que o pastor e a sua companheira, Anabela Martins, de 51 anos, albergam em instalações outrora construídas pelos Serviços Florestais.

Ao abrigo de protocolos com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e os compartes dos baldios, recolhem os animais nos antigos currais e têm a possibilidade de os apascentar nos matos em redor.

Há um ano, na sequência dos fogos de 15 de Outubro de 2017, apresentaram uma candidatura a um programa do ICNF de apoio financeiro a projectos na área da silvopastorícia.

Na sua deambulação, em busca de alimentos variados que abundam na Serra do Açor, os animais fazem o papel de “cabras sapadoras”, dando um contributo para reduzir o material combustível e minimizar a ameaça dos incêndios.

“O processo foi longo. Ainda não recebemos nada, mas também tomámos a iniciativa um pouco por nossa conta e risco”, conta Luís Fontinha à agência Lusa, enquanto abre um sulco com ajuda do sacho, a fim de encaminhar as próximas águas pluviais para a berma.

O plano contratualizado com o ICNF tem uma duração de cinco anos, cabendo à empresa familiar do Rabadão (palavra de origem árabe, “rabb ad-dan”, que identifica o dono de pequenos ruminantes) uma compensação pecuniária pela sua actividade de limpeza da floresta, tendo em conta a área intervencionada e o tipo de vegetação predominante.

O projecto tem mais vertentes: no futuro querem comercializar cabritos, queijo e bens alimentares inovadores, como um ansiado iogurte à base de leite de cabra, eventualmente enriquecido com mel, castanha ou medronho, entre outros produtos endógenos. Questionado sobre a determinação com que se lançou ao trabalho, o pastor deixa escapar uma sonora gargalhada.

“Coragem ou estupidez, mas o futuro o dirá. Por razões familiares, era uma ideia antiga voltar a fazer este tipo de trabalho”, assume Luís Fontinha, num dia em que Anabela está ocupada com outras tarefas na exploração.

Há dois anos, a habitação do casal, na povoação de Outeiro, não foi afectada pelo incêndio que varreu as florestas de Góis, no distrito de Coimbra, e de outros municípios da região Centro. “Mas acabei por perder o meu armazém com todo o equipamento”, recorda o agora pastor, que antes trabalhava na reparação de casas e outros imóveis, compradas sobretudo por famílias estrangeiras.

Devido aos fogos, as “quintas remotas” e edifícios por si reconstruídos nos últimos anos “desapareceram outra vez”.

Luís Fontinha, que tem formação em gestão hoteleira e aprendeu na infância os segredos da caprinicultura com um avô transmontano, teve mesmo de pensar noutra ocupação, para si e para a mulher, que já tinha experiência no sector, especialmente na produção artesanal de queijo.

Nos próximos meses, os donos esperam um acréscimo importante do número de cabras, já que as fêmeas podem parir de um a dois filhotes, pelo menos.

“É uma ideia gira, mas precisa de ganhar escala para fazer a diferença a vários níveis”, segundo o antigo construtor, que também labutou vários anos na área tecnológica, no Reino Unido.

O casal espera que outros pastores se juntem a eles na Serra do Açor, onde existem 60 mil hectares de flora diversa.

Para Luís Fontinha, “era interessante virem mais pessoas para esta actividade” e depois criarem uma cooperativa que pudesse fabricar e escoar o queijo e outros lacticínios dos diferentes produtores. “É preciso tornar isto maior, com uma escala que tenha algum impacto”, sublinha.

Conhecendo bem a magreza dos solos, a falta de emprego e o êxodo secular dos povos da região, o casal Luís e Anabela está determinado a prosseguir em novos moldes o trabalho dos ancestrais. Na Serra do Açor, só a união faz a força.

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