A NATO está em forma, a Aliança está em crise

O que está em causa não é a NATO, é a Aliança. O que está em crise não é a força militar, é a confiança política.

A NATO fez 70 anos e a cimeira da celebração, que hoje termina em Londres, tinha todas as razões para ser triunfal. Afinal, a NATO foi a maior, a mais forte e a mais duradoura das alianças da história. Mas não só não foi triunfal como não foi sequer uma cimeira. Quiseram que fosse apenas um encontro de chefes de Estado e de governo e com tempos mínimos de intervenção. Se em diplomacia a forma é substância, então este foi um sinal claro: baixar o seu nível diplomático e mitigar o seu significado político. O clima foi menos de celebração do que de prudência e apreensão. Porquê? Porque a aliança atravessa um período difícil, marcado por divisões não só entre os dois lados do Atlântico, mas também no interior da Europa.

Donald Trump, na sua visão empresarial da política externa, não tem inimigos fixos nem aliados permanentes. E a NATO é só mais um instrumento transacional. Não discute a partilha de valores, a confiança política ou os objectivos estratégicos. Só fala de dinheiro e só lhe interessa quem paga. Em campanha, disse que estava obsoleta, já Presidente, pôs em causa o artigo 5.º e, na cimeira de Bruxelas, ameaçou retirar-se da Aliança. Trata os aliados com hostilidade e Putin com simpatia.

Emmanuel Macron, na sua visão neogaullista e na ambição de liderar a Europa da defesa, quer reinventar a NATO e obrigar os aliados a falar do que Trump não quer: os objectivos políticos e a coordenação estratégica que, pura e simplesmente, não existiu na retirada americana e na operação turca contra os curdos no norte da Síria. E nisso ele está certo. Mas não está quando fala da autonomia estratégica da Europa e deixa implícita uma desvalorização da NATO, o que provoca a reação imediata da Alemanha. E está errado na fórmula como abre o entendimento à Rússia de Putin, que provoca a recusa frontal da Europa de Leste. Mais, ao afirmar que a NATO está em “morte cerebral”, Macron eclipsa, sob o soundbite, o mais importante das suas ideias.

Recep Erdogan, por seu lado, mantém relações cada vez mais tensas com os aliados ocidentais e mais próximas com a Rússia de Putin. Adquiriu e testou um sistema de mísseis russo, que se receia possa facilitar a observação por parte da Rússia dos sistemas militares da NATO. Finalmente, conduziu, sem coordenação nem aviso prévio, uma operação ofensiva no Norte da Síria contra os curdos, aliados do ocidente, na luta contra o Estado Islâmico.

Ora, como é obvio, nada disto favorece o vínculo transatlântico, a coesão europeia e a credibilidade da aliança. O que está em causa não é a NATO, é a Aliança. O que está em crise não é a força militar, é a confiança política. A estrutura militar está em pleno funcionamento e cumpre cabalmente as suas missões. A aliança política, porém, está num impasse, paralisada pela quebra de confiança entre aliados: falha de liderança política e de coordenação estratégica. A NATO está em forma, a Aliança está em crise.

Este é o impasse que é preciso ultrapassar. E por duas razões. A primeira, porque os desafios não são pequenos. O primeiro, a leste, é o da ameaça russa. Embora mantendo os canais de diálogo, é precisa uma resposta firme contra o revisionismo nacionalista e autocrático de Putin e os seus objectivos declarados de atacar a democracia liberal, enfraquecer o vínculo transatlântico e desagregar a União Europeia. O segundo, a ocidente, é o da erosão do vínculo transatlântico. É preciso restaurar a confiança entre aliados americanos e europeus. Há quem pense que só é possível depois da administração Trump. Será, certamente, mais fácil, mas é preciso desde já. O terceiro, no interior da Europa, é o da relação entre a NATO e a União Europeia. Há consenso na Europa para que os europeus assumam mais responsabilidades com a sua defesa. Mas não existe o mesmo consenso no que deve ser a relação com os Estados Unidos. E a relação não deve ser nem de rivalidade nem de subsidiariedade. Tem que ser de complementaridade estratégica. E o reforço e a autonomia da defesa europeia não deve ser para rivalizar com os Estados Unidos, mas para credibilizar o pilar europeu da NATO. Para ser um aliado credível dos Estados Unidos e poder actuar autonomamente quando os Estados Unidos não têm interesse em actuar. A segunda razão, porque a NATO continua a ser um pilar fundamental. E não é só para a garantia da segurança internacional. É também para a defesa de uma ordem democrática.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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