Marcelo deixa aviso: avançar com regionalização pode ser “erro irreversível”

Presidente da República argumenta que na campanha das legislativas não surgiram “propostas firmes de revisão da Constituição” que suportem a realização de um referendo. Manuel Machado defende nova consulta popular.

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Presidente da República presidiu à sessão de abertura do XXIV congresso da ANMP LUSA/Pedro Sarmento Costa

Anti-regionalista convicto, o Presidente da República foi nesta sexta-feira ao congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) avisar que começar já a pensar na regionalização para avançar em 2022 é “colocar o carro à frente dos bois” e pode ser “um erro irreversível”.

Em Vila Real, onde presidiu à sessão de abertura do XXIV congresso da ANMP, no qual participam mais de 800 autarcas de todo o país, Marcelo Rebelo de Sousa foi claríssimo: “Começar a pensar já na regionalização é colocar o carro à frente dos bois ou querer dar o passo mais largo do que a perna, pode ser um erro irreversível. Pode querer dizer chegar ao fim do caminho sem garantia da sua viabilização [da regionalização] pelo incumprimento de fases precedentes”.

Marcelo, que se opõe a que se avance com a regionalização do país sem a realização de uma consulta popular, recordou aos autarcas que na campanha das legislativas não surgiram “propostas firmes de revisão da Constituição” que suportem a realização de um referendo e que não foram apresentadas “posições” concretas sobre a regionalização. De resto, alertou para a necessidade de aprofundar a descentralização, que – frisou – “avançou na lei, mas falta chegar às pessoas”.

Mais optimista mostrou-se o presidente da ANMP. Vinte e um anos depois do primeiro referendo que não validou a regionalização do país, Manuel Machado pronunciou-se a favor de um novo que consagre aquele princípio, mas pede consensos.“O debate que é necessário ter antes de um novo referendo que consagre a regionalização terá de incorporar todos os prós e contras, terá de incluir os dados do relatório final da Comissão Independente para a Descentralização, terá de dispor de análises e de comparações internacionais. Tudo terá de ser feito de forma agregadora, sensata, madura!”, defendeu Manuel Machado na sessão de abertura da reunião magna dos autarcas.

Pedindo um consenso o mais alargado possível em torno desta questão, o presidente da associação de municípios denunciou o agravamento da "doença chamada centralismo”, fruto da “regressão brutal da organização do Estado nas últimas décadas" e destacou as “perversidades várias por parte da máquina da Administração Central, a qual  disse – "demora, esconde dados e emperra tudo quanto pode porque sente que, com o avançar deste processo, vai perder poder”.

Afirmando que a descentralização “visa precisamente reverter o recuo brutal que houve nesta década, na autonomia, também das delegações e nas direcções regionais – sejam elas da Agricultura, da Saúde, da Educação ou da Cultura”, o líder da ANMP e presidente da Câmara de Coimbra apontou depois a “regressão brutal” que se verificou na organização do Estado.

“Hoje, para mudar uma lâmpada no Mosteiro de Alcobaça [distrito de Leiria] é preciso pedir autorização ao ministério. A regressão brutal na organização do Estado nas últimas décadas agravou, e muito, esta doença chamada centralismo que existe em Portugal”, sublinhou o autarca socialista que deu como certa a realização de um referendo que, defendeu, deve ter um “um nível de excelência”, caso contrário o processo “voltará a fracassar e quem ficará a perder são os portugueses, principalmente os que vivem nas regiões mais desfavorecidas”.

"Descentralização é essencial"

Já a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, mostrou-se optimista com a resposta que os municípios deram em matéria de transferência de competências da Administração Central para a Administração Local, revelando que cerca de 60 dos 278 municípios do continente aceitaram desempenhar até ao próximo ano todas as competências que o Governo está a transferir para as autarquias.

“Ao dia de hoje, considerando o universo dos 278 municípios do continente, congratulamo-nos com o facto de 86% terem aceitado exercer pelo menos uma competência até 2020, enquanto cerca de 60 autarquias já aceitaram exercer todas as competências”, afirmou Alexandra Leitão, frisando que “subsiste ainda o enorme desafio da sua consolidação e concretização no terreno”.

A ministra salientou que “a descentralização é essencial para aumentar a competitividade e a coesão do território nacional”, tornar os territórios do interior mais atractivos à fixação de quadros qualificados e combater a desertificação.”É chegado o momento de aprofundar a sua concretização, permitindo que em 2021 os municípios possam assumir todas as suas novas competências com condições financeiras, operacionais, de recursos humanos e materiais”, disse, considerando que o tema do congresso - “Descentralizar, Regionalizar, Melhor Portugal” - contém “um dos maiores e mais importantes desafios” do país, que é “a profunda transformação na estrutura de governação da Administração Pública”.

“É urgente agir para aumentar os níveis de confiança no Estado”, disse a ministra, acrescentando que cabe às autarquias um papel fundamental para o envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão, “sob pena de se criar um vazio que se poderá constituir como terreno fértil para movimentos populistas que tão bem sabem capitalizar os sentimentos de insatisfação e injustiça dos cidadãos”.”Numa altura em que os regimes democráticos tendem a ser postos à prova por movimentos populistas que propagandeiam o retrocesso dos direitos políticos e das liberdades civis, a participação dos cidadãos nas decisões políticas surge como um garante da democracia, que não se pode esgotar no momento do voto”, defendeu Alexandra Leitão.

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