Enfraqueceu-se uma bactéria resistente a antibióticos e o mesmo poderá ser feito com outras

Equipa do cientista português Pedro H. Oliveira conseguiu tirar força a uma bactéria que causa infecções nos hospitais. O grande objectivo é vir a desenvolver um medicamento a partir desta descoberta.

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Imagens de microscopia da Clostridium difficile durante a formação de esporos DR

A bactéria resistente a antibióticos Clostridioides difficile tem causado muitas infecções em meio hospitalar. Consegue transmitir-se com facilidade devido à formação de esporos – células hibernadas que têm uma actividade metabólica reduzida e resistem praticamente a todos os desinfectantes dos hospitais. E se conseguíssemos tirar força à bactéria através dos esporos? Foi isso que uma equipa de cientistas dos EUA e de França – que inclui o português Pedro H. Oliveira – fez: conseguiu que a C. difficile perdesse a sua capacidade de formar esporos e, dessa forma, enfraquecesse. Os cientistas sugerem ainda que o mesmo método se deverá aplicar a outras bactérias. 

“A C. difficile é responsável por uma das mais comuns infecções adquiridas em hospitais”, salienta-se no estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Microbiology.

De acordo com os dados do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças de 2018, há cerca de 124 mil casos de infecção causados pela C. difficile anualmente e cerca de 3700 de mortes provocadas por esta bactéria só na Europa. “Estes números estão certamente muito abaixo da realidade, porque o número de hospitais que participaram no estudo em cada país é, em muitos casos, muito baixo”, assinala Pedro Oliveira, bioinformático na Escola de Medicina do Monte Sinai, nos Estados Unidos, e primeiro autor do artigo.

Até podemos carregar esta bactéria no nosso organismo de forma assintomática, mas em certas condições ela torna-se virulenta. Como é que isso acontece? Através da transmissão dos esporos, que são muito resistentes às temperaturas mais extremas, à ausência de nutrientes e aos desinfectantes usados nos hospitais – muito mais fortes do que aqueles que usamos em casa. “Por esse motivo, esses esporos que são muito resistentes conseguem sobreviver e ser transmitidos mais facilmente de pessoa para pessoa”, explica o cientista.

Geralmente, os esporos da bactéria acabam por ser transmitidos através de resíduos das fezes que ficam nas casas de banho ou até através de mãos mal lavadas. Além disso, como são resistentes a muitos antibióticos e nos hospitais há muitos doentes precisam de tomá-los, acabam por proliferar.

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Imagens de microscopia da Clostridium difficile durante a formação de esporos DR

Para estudar esta bactéria, a equipa de Pedro Oliveira isolou a C. difficile de fezes de 36 doentes internados no Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque. Depois, sequenciou a bactéria com uma técnica relativamente recente, a sequenciação de moléculas únicas em tempo real (SMRT, na sigla em inglês).

Esta técnica permite ver as modificações químicas que são introduzidas no ADN pela proteína metiltransferase, existentes no ser humano e em quase todas as bactérias. Essas modificações vão activar ou desactivar a expressão de certos genes. “Esta tecnologia permite-nos ver um segundo código por cima do nosso código genético. A essas modificações dá-se o nome de ‘metilação do ADN’”, indica.

Verificou-se assim que, se se inactivasse a metiltransferase na C. difficile, a proteína deixava de conseguir fazer essas modificações no ADN. Consequentemente, a bactéria deixa de conseguir criar de forma drástica esporos muito resistentes. Além disso, também baixa a sua virulência através da diminuição da produção de toxinas. “Todas as suas características que estão associadas à virulência hospitalar ficam muito atenuadas. A bactéria fica quase como morta”, diz Pedro Oliveira.

Contacto com farmacêuticas

Como esta proteína está presente em praticamente todas as bactérias catalogadas até agora, sugere-se que a mesma estratégia possa ser usada para torná-las mais fracas. “Podemos imaginar que, da mesma forma como fizemos com a C. difficile, ao inibir muitas das metiltransferases, iremos conseguir diminuir a virulência e patogenicidade de várias outras espécies de bactérias”, destaca-se num resumo sobre o trabalho.

Como tal, Pedro Oliveira conta que a sua equipa já está a tentar colaborar com algumas empresas farmacêuticas a partir dos resultados deste estudo. “Já temos duas que estão interessadas”, informa, adiantando que estas empresas estão “realmente interessadas não só pela bactéria mas também pelo potencial que isto tem”.

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Pedro H. Oliveira DR

O objectivo é desenvolver um medicamento com proteínas designadas “inibidores”, que vão penetrar na membrana das bactérias, ligar-se à metiltransferase e inactivá-la. “Vamos dar às bactérias outra proteína para competir com a metiltransferase, que não vai consegui ligar-se ao ADN e cumprir o seu papel. É uma forma alternativa de inventarmos um medicamento através destes inibidores.” Uma das possibilidades é o desenvolvimento de inibidores comuns que podem ser comuns a várias bactérias.

Por isso, Pedro Oliveira deixa a mensagem: “Temos de encontrar alternativas para vencermos estas bactérias e esta é uma alternativa aos antibióticos.”

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