Obstetra de Setúbal: “Não fui eu que introduzi as malformações aos bebés”

O médico Vítor João Gabriel refuta todas as responsabilidades nos três casos de bebés que nasceram com malformações não detectadas em ecografias por si realizadas. É mais um caso de um obstetra do Hospital de Setúbal que chegou ao Ministério Público

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O médico Vítor João Gabriel nega ter violado os deveres e as regras da profissão, enquanto o Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) diz não ter conhecimento de qualquer queixa contra este seu clínico, quando confrontados com as queixas feitas por três casais com filhos que nasceram com malformações não detectadas nas ecografias realizadas por aquele obstetra numa clínica em Setúbal.

Dois dos casos chegaram à justiça, um deles ainda corre no tribunal cível. O terceiro casal desistiu das queixas. Nos despachos de arquivamento das queixas-crime o Ministério Público refere existir matéria para processos cíveis e é taxativo a afirmar: “Podemos falar em erro ou negligência profissional. (...) Face aos meios empregados em termos de equipamento e à elevada preparação do médico, as malformações não poderiam deixar de ser detectadas”, escrevia a procuradora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal de Setúbal no caso do bebé que nasceu com pé boto, sem um rim e sem algumas vértebras da coluna.

Vítor João Gabriel deixou, entretanto, de fazer ecografias do segundo trimestre na sequência da revelação do caso do bebé de Setúbal que nasceu sem rosto e da polémica que recaiu sobre o seu colega Artur Carvalho. O obstetra é director clínico no Centro Materno-Infantil de Setúbal, que tem convenção com o Serviço Nacional de Saúde para fazer ecografias obstétricas. “O bastonário [da Ordem dos Médicos] disse que ia revelar os 180 médicos certificados para fazer ecografias e eu estou à espera que saia essa lista”, disse Vítor Gabriel ao PÚBLICO. Questionado sobre se a tem, responde: “Tenho certificação internacional.”

O Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) confirma que o obstetra “possui declaração de idoneidade, por parte do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, para o exercício da ecografia ginecológica/obstétrica desde 1992 e é também acreditado pela Fetal Medicine Foundation, para a realização de ecografias do 1.º e 2.º semestre”.

O conselho de administração diz não ter conhecimento das queixas apresentadas pelos progenitores das crianças que nasceram com malformações — apesar de vários médicos e enfermeiros do serviço de obstetrícia do CHS terem prestado depoimento em tribunal sobre dois dos casos, como testemunhas. “Das pesquisas efectuadas no gabinete do cidadão, não nos foi possível identificar qualquer queixa apresentada pelas utentes Susana Beijinho e Sheila Silva. Também não existem registos de qualquer processo de inquérito relacionados com os casos identificados”, diz o CHS.

Obesidade da mãe

Vítor Gabriel começa por dizer que “a ecografia é um exame de rastreio e não de diagnóstico, e como todos os exames de rastreio, pode ter falsos positivos ou negativos”. Em concreto, diz que em dois casos a dificuldade foi “a posição do feto” e, no terceiro, “a obesidade” da progenitora. No caso da menina que nasceu com malformações no braço e mão direitos, alega que a gordura da mãe dificultou a ecografia. “Podemos não ver se a grávida for extremamente obesa, nós pomos a sonda e não se vê nada para baixo. Eu disse várias vezes à senhora [Susana Beijinho] ‘não consigo ver nada’.”

Foi de resto esse o argumento que usou quando foi interrogado pela Ordem dos Médicos, no âmbito de um processo disciplinar originado por uma participação do Ministério Público que acabou arquivado. Uma das razões do arquivamento relacionou-se com a prescrição do procedimento disciplinar: a queixa do Departamento de Investigação e Acção Penal de Setúbal só deu entrada no Conselho Disciplinar da Ordem mais de três meses depois do parto, o que significa que eventuais infracções técnico-deontológicas já não eram puníveis.

Relativamente ao caso do rapaz com falta de vértebras, Vítor Gabriel sustenta que as malformações não eram visíveis, à excepção do pé boto. “A anomalia na coluna, tubo digestivo e aparelho urinário não são detectáveis na ecografia. E infelizmente tem outros problemas, como ânus imperfurado, que não se vê, e que obrigou a uma série de intervenções cirúrgicas.” E acrescenta: “As hemivértebras não são em toda a coluna, mas apenas na região sagrada, e estamos a falar de oito milímetros às 32 semanas, pelo que pode não se ver na ecografia, com o bebé dobrado dentro da barriga da mãe.”

O tribunal cível de Setúbal, onde os pais do menino desencadearam nova acção, pediu um parecer ao Instituto de Medicina Legal, para avaliar o actual estado das malformações da coluna, informa o obstetra.

Vítor Gabriel não reconhece que falhou, muito embora admita que o pé boto possa ser visível nas ecografias: “Se estiverem com os pés cruzados, não conseguimos lá chegar.” Quanto ao caso da menina que nasceu com a síndrome de Pierre Robin, diz ter feito uma ecografia fora da altura em que o problema seria detectável: “A última ecografia foi às 18 semanas e quatro dias. É a única que tenho. A mãe deve ter feito outra lá para as 22 semanas, que é a altura ideal, mas não fui eu.” Carla Duarte desmente o médico e fez questão de enviar as ecografias ao PÚBLICO. Fez quatro ecografias com este clínico: às oito semanas e um dia, 18 semanas e quatro dias, 22 semanas e a última, às 32 semanas.

O médico recorda ainda em sua defesa que faz este tipo de exames há quase 30 anos e que estamos a falar de apenas três casos. “Lamento, é uma infelicidade para os pais. Não fui eu que introduzi as malformações aos bebés”, conclui.

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