Violência doméstica: 28 mortes, 27 tentativas de femicídio e 45 órfãos este ano, diz UMAR

Em quase metade dos casos, homicidas já tinham processo-crime. Do total de mortes, 71% ocorreram em relações onde já existia violência. Em 15 anos, houve 531 mulheres mortas e 618 vítimas de tentativa de homicídio.

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Miguel Manso

Vinte e oito mulheres mortas. Vinte e sete tentativas de femicídio. Quarenta e cinco órfãos. Estas são as contas feitas pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), à análise de crimes de femicídio noticiados entre 1 de Janeiro e 12 de Novembro de 2019.

Segundo um relatório divulgado esta sexta-feira, os dados mostram uma média de cinco mulheres por mês que foram vítimas de violência extrema, três delas mortais. Além disso, 45 filhos ficaram órfãos depois de as suas mães terem sido mortas - 16 deles menores. Mas há mais crianças afectadas: se somarmos as tentativas de femicídio sobem para 67 o número de filhos afectados por este crime. “Os dados revelam que há urgência de criarmos respostas especializadas e específicas, estruturadas, continuadas para os filhos que são também vítimas directas”, diz Sónia Alves Soares, do OMA. “Não podemos continuar a chamá-los como testemunhas ou vítimas indirectas. Não existe nenhum serviço estatal transversal que contemple este tipo de resposta para estas vítimas, as crianças”, comenta.

O OMA apenas contabilizou os crimes de ódio contra mulheres no contexto de violência doméstica. Sónia Alves Soares admite que alguns crimes contabilizados pela imprensa não sejam femicídios mas homicídios ocorridos noutros contextos. Em Outubro deste ano, as contas feitas pelo PÚBLICO com base nas notícias publicadas desde o início do ano registaram 30 mulheres mortas por violência doméstica. Em 2018 foram noticiadas as mortes de 28 mulheres em contexto de violência doméstica, e o Governo registou 39 destes homicídos

Sónia Alves Soares, do OMA, salienta que a média mensal de violência letal que aumentou para cinco “é preocupante”. “Os últimos dados corroboram o que vimos a transmitir. É um crime que ocorre na esfera íntima e na residência e que vem reforçar a necessidade da protecção nestes contextos.” 

​Em 15 anos, entre 2004 e 12 de Novembro de 2019, houve 531 vítimas e 618 vítimas de tentativa de homicídio. Este ano, em quase metade dos casos de mulheres mortas por violência doméstica o agressor já tinha um processo-crime, uma tendência que se repete. ​A maior parte dos casos - 71% das mortes consumadas e 55% das tentativas – estão relacionados com relações onde já existia violência, muitas vezes do conhecimento de familiares, vizinhos, amigos e até de órgãos de policia criminal, “sem que tal conhecimento tenha sido suficiente para a prevenção da revitimização e consequente femicídio”, escreve a OMA. 

Neste período de 2019, em 12 dos 28 casos de femicídio registados, o agressor tinha um processo-crime, ou seja, “em alguns locais e em algumas instituições” a denúncia “não é sinónimo de protecção e ajuda”, por isso “estas mortes exigem uma reflexão sobre como aprofundar a protecção”, escreve a OMA no relatório. Também em nove das 27 tentativas de femicídio existia um processo-crime. 

Dos dados sublinha-se ainda que 53% das mulheres assassinadas mantinha uma relação de intimidade com o homicida e 21% já tinha procurado terminá-la. Em 71%, os assassinatos foram praticados na residência da vítima durante a noite ou de manhã (36% cada). ​Em 13% o homicida recorreu a uma arma de fogo e nos outros a arma branca. O espancamento e o estrangulamento (11% nos dois casos) e a asfixia (3%) foram outras formas utilizadas para matar a vítima. 

Embora o assassinato de mulheres ocorra “em todo o seu ciclo de vida”, a faixa etária em que se registou mais femicídios foi entre os 36 e os 50 anos (43%), seguida do grupo com mais de 65 anos (21%), entre os 51 e os 64 anos (18%) e entre 24 e 35 anos (14%). Desde 2004, entre as 531 vítimas, o grupo etário dos 36 e 50 anos é o mais predominante (30%) e seguem-se as mulheres com entre 24 e 35 anos (21%).

Já os homicidas tinham maioritariamente entre 36 e 50 anos (32%) e entre os 51 e os 64 anos (25%). Janeiro foi o mês em que foi registado o maior número de ocorrências deste crime e Lisboa o distrito com mais casos (sete), seguido de Setúbal e Braga (com quatro cada). Nos dados totais desde 2004 os distritos de Lisboa (113), Porto (73) e Setúbal (54) foram aqueles onde existiram maior número dos femicídios com 301 ocorrências (57%). 

Quanto às medidas de coacção em 2019, o relatório diz que foi possível identificar que em nove dos 28 casos o homicida suicidou-se, em 15 aplicou-se a prisão preventiva, em dois houve internamento em hospital psiquiátrico e noutros dois não foi possível identificar. 

Ao PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República diz que este ano registou 24 homicídios de mulheres (incluindo de uma criança) e de oito homens “com indícios de morte ocorrida em contexto de violência doméstica”.

Queixas continuam a aumentar

No ano passado, em igual período, o OMA tinha registado 24 mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica quando no ano anterior esse número era de 20 mulheres mortas às mãos de actuais ou ex-companheiros ou familiares muito próximos. Em 2017, o OMA registou 18 casos de femicídio. 

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) em 2018 houve 110 homicídios voluntários, 39 em contexto de violência doméstica – os mesmos dados que estão no relatório anual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) relativo a homicídios consumados. Em 110 homicídios, 61% das vítimas eram mulheres.

Por outro lado, já o número de queixas apresentadas nos postos da GNR e nas esquadras da PSP também é elevado: o Relatório Anual de Monitorização de 2018 refere que as forças de segurança registaram 26.432 participações de violência doméstica, com mais queixas em Lisboa (5981), Porto (4614), Setúbal (2458), Aveiro (1804) e Braga (1801).

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