E se micro-vesículas nos dissessem como funciona a remissão da diabetes?

Ao todo, 13 projectos de investigação científica ou de intervenção comunitária foram distinguidos pelo programa Gilead Génese.

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A verde, micro-vesículas no intestino DR

A equipa de Paula Macedo vai avaliar micro-vesículas de doentes que fizeram uma cirurgia metabólica. Desta forma, tentará perceber melhor os mecanismos fisiológicos pelos quais que muitos desses doentes apresentam remissão da diabetes após a cirurgia. Já a Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” vai iniciar um projecto de prevenção, diagnóstico, sensibilização e literacia em saúde para a população transexual a nível de hepatites virais e metabólicas, assim como para a infecção por VIH/sida. Estes são dois dos 13 projectos de investigação e de intervenção comunitária premiados pelo programa Gilead Génese, da empresa farmacêutica norte-americana Gilead Sciences. A cerimónia de entrega destas distinções é esta quinta-feira à tarde no Capitólio, em Lisboa.

Criado em 2013, este programa já atribuiu financiamento a 76 projectos portugueses. Nesta edição, os 13 prémios foram premiados com um total de 330 mil euros. Nem todos foram apoiados com o mesmo valor. Este ano candidataram-se a este prémio 56 projectos.

A nível da investigação científica, reconhecem-se projectos de diagnóstico, investigação e tecnologia ao serviço da saúde. Foram distinguidos oito trabalhos. No Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, foram premiados três: um sobre a avaliação da resposta às sulfonamidas, outro sobre a expansão in vitro dos linfócitos T reguladores, e um terceiro sobre o contributo dos macrófagos e monócitos para a patogénese distinta da infecção por VIH-2. Do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, foi premiado um estudo sobre células endoteliais na lesão hepática.

Já o Centro de Química e Biotecnologia Farmacêutica, uma empresa em Lisboa, foi distinguido com um projecto sobre a demência associada à infecção por VIH. A Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa propõe-se a investigar o desenvolvimento de imunolipossomas para tratamento do linfoma não-Hodgkin e a Fundação Champalimaud vai explorar a comunicação entre o microambiente da medula óssea através de vesículas extracelulares.

Por fim, premiou-se o projecto da equipa de Paula Macedo, professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, no valor de 36.500 euros. Neste trabalho, analisar-se-á plasma do sangue de doentes submetidos à cirurgia metabólica. Esta cirurgia é feita a indivíduos que não são necessariamente obesos, mas podem ter diabetes do tipo II com doença do fígado gordo não-alcoólico. Muitas pessoas acabam por melhorar o seu metabolismo e, por isso, apresentam remissão da diabetes.

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Equipa de Paula Macedo (que está ao centro com o vestido preto e flores) DR

O que se fará então? Irão analisar-se micro-vesículas (que todas as células produzem), que se pensa que são libertadas pelos intestinos e contribuem para a evolução da diabetes e da obesidade. Estudar-se-ão estas micro-vesículas antes e depois da cirurgia metabólica para se perceber como é que evoluem em termos temporais e como é que a sua alteração nos pode dar informação para, no futuro, virem a ser alvo de terapias. A equipa já fez várias experiências numa fase pré-clínica e agora vai começar a fase clínica.

“Quando avaliamos os doentes ao longo do tempo, obtemos a percepção do que será a doença [da diabetes] como se fosse um filme de trás para a frente”, refere Paula Macedo. “Isto é, conseguimos perceber quais são os primeiros eventos que acontecem para favorecer a remissão da patologia e isso traz-nos informações relevantes para podermos identificar novas moléculas ou mecanismos que possam ser alvos terapêuticos.”

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A verde, micro-vesículas no intestino DR

A investigadora explica ainda que o conteúdo das micro-vesículas pode ser diferente entre os doentes. Afinal, o estádio da diabetes e os órgãos envolvidos podem não ser os mesmos. “Estas micro-vesículas podem ser então um espelho daquilo que é o contributo dos nossos órgãos em termos de alterações metabólicas”, destaca a cientista. Desta forma, as análises às micro-vesículas podem funcionar como biópsias líquidas para se perceber o estado metabólico de cada pessoa. “Queremos fazer o estudo ao longo da remissão para percebermos como é que são as alterações [das micro-vesículas] e qual a melhor maneira de se poder intervencionar [a nível de terapêuticas].”

Aproximação aos serviços de saúde

Já os projectos de intervenção comunitária premiados distinguidos foram cinco. O Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos VIH/sida tem um trabalho sobre a ligação aos cuidados de saúde e a adesão ao tratamento para infecção dos vírus da hepatite C e VIH de pessoas que consomem ou já consumiram drogas na Península de Setúbal. Na área da infecção por VIH/sida, também foram premiadas a Bué Fixe-Associação de Jovens e a AJPAS – Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde (Amadora). A Associação de Infecciologistas do Norte tem ainda um projecto sobre a micro-eliminação da hepatite C.

Já o projecto da Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” será direccionado para a população transexual. “Visa essencialmente o diagnóstico pelas acções de rastreio e a respectiva ligação aos cuidados de saúde pela prevenção, sensibilização e literacia em saúde, assim como o apoio à comunidade no âmbito do VIH e de hepatites virais”, indica Filomena Frazão de Aguiar, presidente daquela fundação. Para tal, o projecto terá 27.500 euros e contará com uma equipa multidisciplinar de médicos de diferentes especialidades, enfermeiros, psicólogos ou assistentes sociais.

Numa fase inicial, serão promovidos rastreios de testes de VIH e de hepatites virais. No caso de os testes serem positivos, as pessoas serão referenciadas e encaminhadas para o departamento de infecciologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto. Haverá ainda consultas de psicoterapia ou outro tipo de acompanhamento psicológico, assim como apoio social.

Este projecto ocorrerá apenas no Grande Porto e prevê-se que abranja 300 pessoas numa fase inicial, tendo já sido identificadas 200. Espera-se que comece em Dezembro, segundo Filomena Frazão de Aguiar.

“É um projecto muito importante porque a população transexual é muito esquecida e tem graves problemas de apoio”, destaca. “É uma população que se isola muito, que recorre muito pouco e com algum receio aos serviços de saúde e também é muito estigmatizada. Esta é uma maneira de a aproximarmos estes serviços.” Filomena Frazão de Aguiar espera que, um dia, este projecto possa ultrapassar as fronteiras do Grande Porto.

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