A transparência da Assembleia discutida à porta fechada

Se é crucial recuperar o prestígio do Parlamento e punir os patos-bravos que por lá andam, só com abertura, transparência e confiança dos cidadãos será possível dar passos em frente.

Numa manifestação de vontade que ora convoca a anedota, ora o pavor, o novo presidente da Comissão da Transparência da Assembleia da República propôs que algumas reuniões dos deputados que a integram se realizassem à porta fechada. Quer isto dizer que os representantes da soberania nacional se dispõem a negociar na sombra do segredo as regras com que pretendem tornar a actividade parlamentar mais clara e aberta a todo o país.

Há coisas que não se entendam, mesmo quando são defendidas por relatórios eloquentes, perícias sábias ou leis inatacáveis. Esta é seguramente uma delas. Quando um parlamento se esconde para discutir o que podem ou devem os seus deputados fazer, receber ou como se devem comportar, ou até quando discutem imunidades ou incompatibilidades, ficamos com razões de sobra para suspeitar que a comissão é um logro.

Já aqui defendemos que os deputados têm a obrigação de defender o estatuto e a nobreza das suas funções recusando os ataques populistas que os tendem a considerar como culpados de todos os males até prova em contrário. Um parlamento que se sujeita a controlos, a regras e normas de conduta por tudo e por nada pode representar um bando de funcionários respeitável, mas jamais será um lugar de homens e mulheres livres com autoridade e prestígio para representar o país. Se, como disse ao PÚBLICO Pedro Bacelar Vasconcelos, “o que devia pertencer à consciência passa a pertencer ao regulamento”, a Assembleia perde aura, prestígio e poder.

Não quer isto dizer que não haja necessidade de definir regras, padrões e penalizações, até porque muitos deputados fizeram questão de mostrar a sua própria inadequação à nobreza dos seus cargos em episódios indignos como os das faltas ou através de expedientes velhacos como os dos subsídios de deslocação. Por isso é importante que haja uma comissão para o reforço da transparência. Mas uma comissão que não demore mais mil dias sem aprovar um único diploma.

Uma comissão que não se queira comparar às da Defesa ou Negócios Estrangeiros para elevar o recato sobre o que se passa entre os deputados ao estatuto de segredo de Estado. Se é crucial recuperar o prestígio do Parlamento e punir os patos-bravos que por lá andam, só com abertura, transparência e confiança dos cidadãos será possível dar passos em frente.

Meter as discussões na gaveta terá apenas o efeito contrário, como muito bem notou o deputado do PAN André Silva (ou o Bloco). Será um primeiro passo para se transformar a transparência desejada num ardil favorável aos videirinhos.

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