Muro em bairro social de Leiria “não isola” moradores, diz câmara

Moradores queixam-se que muro de dois metros construído pela autarquia os faz sentir marginalizados. “Deste lado são os ciganos, dali são as vivendas. É o nosso muro da vergonha”, diz uma moradora. Câmara diz que muro apenas existe numa lateral e no tardoz do bairro, pelo que “não isola” os moradores.

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Câmara Municipal de Leiria

A Câmara de Leiria diz que o muro de dois metros construído no renovado Bairro da Integração “não isola pessoas”, refutando assim as críticas deixadas por alguns moradores que não entendem a decisão da autarquia de vedar o bairro com uma construção daquela altura. A situação foi denunciada na edição do Jornal de Notícias desta quarta-feira, por moradores que apesar de satisfeitos por verem as suas casas requalificadas, se sentem marginalizados com o muro. “Dizem que nos temos de integrar na sociedade, mas construíram aqui um muro de Berlim. Deste lado são os ciganos, dali são as vivendas. É o nosso muro da vergonha”, disse a moradora, Sandra Mafra, ao jornal. 

Em reacção, a câmara de Leiria enviou, na manhã desta quarta-feira, um comunicado em que refere que o muro existe apenas “numa lateral e no tardoz do Bairro da Integração, pelo que não isola”. E lembra que o investimento feito na requalificação de 18 casas — onde moram 47 pessoas — e no espaço público do bairro ascende “a meio milhão de euros para oferecer condições dignas de vida aos moradores, que antes não tinham”. 

“O Bairro da Integração apresentava um estado de profunda degradação, com telhados em fibrocimento, oferecendo agora óptimas e dignas condições de vida aos moradores que usufruem das habitações ao abrigo da política de apoio social do município”, lê-se no comunicado. A autarquia diz ainda que, “ao contrário do que refere a notícia, não existem vivendas do outro lado do muro”, mas sim “um terreno baldio florestal, que não oferece condições de segurança”. 

De acordo com a Câmara de Leiria, estas obras eram há décadas pedidas pelos moradores. Nas casas, os telhados foram substituídos, assim como as caixilharias e o chão. As paredes foram pintadas e foi colocado novo mobiliário nas cozinhas e casas de banho. 

“A câmara resolveu construir um circuito interno no bairro, que antes não existia, de modo a permitir a circulação de viaturas e para criar condições de segurança, que eram inexistentes”, nota a autarquia, que diz ainda que construção do muro foi discutida com alguns moradores, “que acolheram as razões apresentadas pelo município” para a sua construção. 

Entretanto, os deputados do PSD eleitos pelo círculo de Leiria na Assembleia da República pediram também nesta quarta-feira esclarecimentos à Câmara local sobre a construção de um muro no bairro social da Integração.

Os deputados questionam o município liderado por Gonçalo Lopes (PS) sobre as “razões que motivaram a construção de um muro de dois metros a delimitar o bairro social da Integração”, se as “necessidades de definição de limites do terreno não seriam asseguradas através de outras formas ou soluções mais inclusivas” e “de que forma se compatibiliza a circunstância de se tratar de um bairro social de integração e, simultaneamente, estar este bairro delimitado e separado da comunidade, num consequente ato de pura segregação”.

Citada na nota de imprensa, a deputada do PSD, Margarida Balseiro Lopes, eleita por Leiria, considera que “esta parece ser uma situação absolutamente contrária ao objectivo de integração que a autarquia deveria prosseguir”.

“A construção de um muro de 2 metros que isola uma comunidade não é aceitável, tanto mais que as justificações avançadas pela Autarquia leiriense parecem querer disfarçar uma inegável segregação social. A era dos muros que tanto tem sido criticada noutras geografias do mundo parece ter sido adoptada pela Câmara de Leiria”, rematou.

“Muro da vergonha” em Beja

Não é a primeira vez que uma situação semelhante acontece. Em 2006, a câmara de Beja construiu um bairro na periferia da cidade para realojar cerca de 50 famílias ciganas que viviam em barracas. Só que o projecto incluiu a construção de um muro com cerca de 100 metros de extensão por quase três metros de altura, que a população entendeu como um gesto segregador. Na altura, a autarquia alegou razões de segurança para a construção do muro, uma vez que a estrada junto ao bairro é percorrida por viaturas pesadas e havia o receio que as crianças do Bairro das Pedreiras — assim se chama — pudessem ser atropeladas. 

Esta situação manteve-se por quase uma década. Só em 2015, a população conseguiu derrubar definitivamente o muro que separava esta comunidade cigana de Beja do resto da sociedade alentejana, já depois da Igreja Católica, da Amnistia Internacional, da União Romani Portuguesa terem protestado contra aquela opção da autarquia. O Centro Europeu de Direitos dos Ciganos apresentou mesmo uma denúncia junto do Comité Europeu dos Direitos Sociais, contra o Estado português em 2010.

Depois de nove anos a esburacar e a abrir fendas na estrutura de betão com martelos, ferros, pedras e paus, a população conseguiu reduzir o “muro da vergonha”, como lhe chamara, a escombros. 

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