Violência no regresso dos “coletes amarelos” às ruas de Paris para marcar um ano de protestos

A Polícia de Paris quer anular a autorização da manifestação, dada a violência registada esta manhã, onde foram já detidas 113 pessoas, ainda antes de se iniciar a marcha que assinala o primeiro aniversário deste movimento de protesto em França.

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A polícia de Paris usou gás lacrimogéneo para tentar controlar cerca de 3000 manifestantes, em Paris, na manhã deste sábado, quando se dirigiam para os pontos de partida da marcha com que os “coletes amarelos” pretendem assinalar o primeiro ano do seu movimento de protesto, que comemoram este fim-de-semana. Foram já detidas 113 pessoas, em vários locais onde houve confrontos — atiraram-se pedras, carros foram virados e caixotes de lixo, carros e motos foram incendiados.

Um dos locais de maiores confrontos foi a Praça de Itália, um dos pontos de partida da manifestação. Os manifestantes atiraram pedras aos bombeiros, atitude classificada como “escandalosa” pela polícia. Face à violência já registada, a Prefeitura de Polícia de Paris (equivalente ao antigo Governo Civil), pediu a anulação da manifestação. 

“Emmanuel Macron segue com atenção o que se passa em Paris”, indicou um porta-voz do Palácio do Eliseu à televisão BFMTV. “O Presidente constata que não há muitos ‘coletes amarelos'  na Praça de Itália, são sobretudo vândalos”, disse a mesma fonte citada pela televisão de notícias em contínuo. O prefeito de polícia de Paris, Didier Lallement, confirmou esta visão do Presidente: em conferência de imprensa, afirmou que os problemas naquela zona da capital foram causados “por indivíduos que não vieram defender uma causa”.

Os confrontos começaram logo cedo, perto de Porte de Champerret, quando os manifestantes se preparavam para marchar pela cidade em direcção à Gare de Austerlitz, no Sul de Paris. De acordo com a Reuters, a polícia interveio para impedir algumas centenas de pessoas de bloquearem uma das estradas circulares da cidade. Os repórteres da Associated Press que cobriam as manifestações relataram não ter visto qualquer violência ou outra acção dos manifestantes para provocar este ataque da polícia.

Os chamados “coletes amarelos” surgiram em meados de Novembro do ano passado, originalmente como um movimento de contestação ao aumento nos preços do combustível e ao elevado custo de vida. Cresceu até se tornar num movimento mais abrangente contra o Presidente Macron e as suas reformas económicas.

Macron, no entanto, teve sucesso na sua estratégia para fazer acalmar a tensão com a concessão de bónus salariais e programas de auscultação das populações ao nível municipal, a que chamou “o grande debate". Embora nada de muito novo tenha saído deste processo, o Presidente conseguiu dissipar a insatisfação na sociedade francesa que em Novembro de 2018 atingiu um ponto de ruptura.

No seu auge, no final de 2018, o movimento chegou a reunir 300 mil pessoas em manifestações por toda a França. No entanto, os protestos perderam a força passado algumas semanas: de dezenas de milhares de participantes para apenas algumas centenas.

A mão duríssima usada pela polícia para reprimir os protestos, no entanto, tem sido muito criticada, e não só por organizações de defesa dos direitos civis - relatórios da ONU e do Parlamento Europeu consideraram também que foi usada força excessiva. O ministro do Interior, Christophe Castaner, teve de prestar esclarecimentos numa comissão do Parlamento francês sobre a forma como tem gerido o dossier “coletes amarelos” mas, até agora, continua a merecer a confiança de Macron.

Em Janeiro deste ano, o lusodescendente Jerome Rodrigues perdeu um olho numa manifestação dos “coletes amarelos” depois de ter sido atingido por uma bala de borracha - é um dos muitos feridos com balas de borracha ou granadas usadas pela polícia.

“Não ganhámos quase nada”

Quando se completa um ano sobre o aparecimento nas ruas dos “coletes amarelos”, activistas e analistas concordam que embora se trate de um movimento “histórico”, também não levou a grandes mudanças na vida política ou social em França.

“Houve um impacto muito negativo, tenho o Governo nas minhas costas, sou assediado na Internet e até já me mandaram para Portugal nas redes sociais, eu que nem sequer tenho nacionalidade portuguesa! A parte positiva é falar com muita gente, aprender muito”, salientou Jerome Rodrigues, que viaja um pouco por toda a França para falar sobre as suas ideias, sendo figura assídua na televisão e contando com quase 50 mil seguidores nas redes sociais.

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No entanto, ele está entre os primeiros a admitir que as mudanças exigidas como maior poder de compra para a classe média, uma redução drástica dos impostos ou até a saída do Presidente francês do poder, não foram conseguidas.

“Mudanças não [houve], porque não ganhámos quase nada. Mas a maneira de contestação é diferente. Mostrou um contrapoder que já não era feito pelos sindicatos ou a oposição política”, afirmou.

“Os ‘coletes amarelos’ falharam”

Esta perspectiva é partilhada por Luc Rouban, director de investigação no Centre National de la Recherche Scientifique e na Sciences Po Paris, e especializado na transformação do Estado e nas elites.

“Os ‘coletes amarelos’ falharam. Conseguiram obter recuos por parte do Governo nalgumas questões de impostos, mas tudo que dizia respeito às mudanças do sistema político e à saída de Emmanuel Macron não teve qualquer resultado”, indicou o investigador, precisando que muitas das reivindicações eram “utópicas” e que os franceses, apesar de tudo, gostam da V República.

Para este investigador, medidas do Governo em resposta ao movimento como o Grande Debate, que levou a debates entre eleitos e cidadãos em toda a França, diminuição de certos impostos ou mesmo a subida do salário mínimo, foram apenas algo pontual, decidido por um Presidente que está “encurralado”

Emmanuel Macron está agora “numa posição defensiva e está encurralado”, disse o académico. “É obrigado a continuar as suas reformas, porque senão não tem nada para apresentar, e ao continuá-las, é também obrigado a compensá-las com medidas pontuais para assegurar o equilíbrio social”, completa.

Mesmo com as suas fraquezas, para Priscillia Ludosky, a “colete amarelo” que iniciou o movimento ao lançar a petição pública contra o aumento dos combustíveis, viveu-se algo histórico.

“Permitiu a pessoas completamente diferentes empenharem-se numa causa comum e aprender a trabalhar em conjunto. E hoje, tentam mudar as coisas juntas. [...] É um movimento histórico, que ficará na História independentemente do que digam”, disse à Lusa Priscillia Ludosky.

Luc Rouban concorda com o facto de ser histórico, mas qualifica-o também de original. “É certamente um movimento histórico. Mas é um movimento original que se distingue dos movimentos sociais que são normalmente estruturados por categoria profissional ou à volta de um problema específico. E também não é político, porque recusam qualquer filiação quer a partidos, quer a sindicatos”, destacou.

Segundo Luc Rouban, a grande herança do movimento é estar a levar vários sectores da sociedade a mobilizarem-se. “Agora assistimos a uma nova etapa em que as pessoas se estão a aperceber que tentar mudar o sistema político pondo-se à parte não muda grande coisa, porque os “coletes amarelos” desapareceram rapidamente do mapa, mas há uma nova vaga de movimentos sociais clássicos junto dos estudantes, dos hospitais ou da polícia”, explicou o politólogo.

Com dificuldades de organização interna, os “coletes amarelos” querem agora constituir um lóbi cidadão de forma a continuarem a lutar por uma maior participação directa na democracia, sem deixar as ruas.

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