Costa vai pôr no Orçamento medidas para as empresas em troca de aumentos de salários

No primeiro debate quinzenal, à esquerda tudo igual. Primeiro-ministro diz que vai mexer nos incentivos às empresas e na redução dos custos com energia. Medidas podem entrar no Orçamento do Estado para 2020.

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António Costa com Siza Vieira LUSA/TIAGO PETINGA

A palavra “contrapartidas” parece queimar quando se trata de discutir o que fazer para compensar as empresas pelo aumento geral de salários e do salário mínimo (em concreto). Tanto na reunião da Concertação Social como no Parlamento, o executivo recusou nesta quarta-feira falar em “contrapartidas”. António Costa preferiu dizer que a par da “evolução dos salários” haverá medidas para “melhorar a produtividade das empresas” e que serão negociadas com patrões e sindicatos, a partir de dia 27 deste mês. O tema marcou todo o dia, a começar na sede do Conselho Económico e Social, onde foi revelado o novo valor do salário mínimo (635 euros), e a terminar em São Bento, com o anúncio de que o valor será aprovado esta quinta-feira, por decreto, em Conselho de Ministros

No primeiro debate quinzenal da legislatura, António Costa garantiu que a ideia é que essas medidas para melhorar a competitividade entrem no acordo para o aumento de rendimentos e que apareçam já inscritas no Orçamento do Estado para 2020. É aqui que surge um leque variado de áreas que vão estar em cima da mesa nas conversas entre o ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, Siza Vieira (o pivot das conversações), a ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, e os parceiros sociais. Exemplos: a “formação profissional ou os incentivos ao investimento” e a “redução dos custos de contexto e de outros factores de produção, como a energia”, disse António Costa. No acordo vão entrar ainda outras medidas relacionadas com ajudas à “transição justa” das empresas para os desafios do digital e das alterações climáticas, incluindo a “melhoria das infra-estruturas ou o apoio à internacionalização”. 

Algumas destas medidas estarão já reflectidas no Orçamento do Estado que será entregue por Mário Centeno até 15 de Dezembro. “O objectivo de rapidamente desencadearmos este processo foi também para irmos implementando [as medidas] que tenham de alguma forma algum impacto e que possamos, desde já, avaliar se, em sede de Orçamento do Estado, as podemos considerar”, disse a ministra.

É por isso que nas reuniões com patrões e sindicatos tem estado sempre o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. Na verdade, a presença do governante justifica-se porque há medidas de fiscalidade (e outras com impacto orçamental) que estão a ser consideradas, como a baixa do IVA para a electricidade - uma das propostas da Confederação do Comércio e Serviços e que, a avaliar pelas palavras de António Costa, pode fazer parte do pacote de medidas a avançar.

Outra das ideias com possível impacto orçamental é a actualização do preço dos contratos que o Estado tem com empresas de serviços, nomeadamente de limpeza e das cantinas. Os patrões querem ainda mexer no Fundo de Compensação do Trabalho, que se divide em dois e que tinha em carteira, até ao final de Setembro, cerca de 370 milhões de euros.

À esquerda, tudo bem

António Costa desta vez governa sozinho, sem qualquer apoio ou papel escrito, mas não se notou grande diferença na maneira como os partidos à esquerda do PS falaram com o primeiro-ministro, nem como este lhes respondeu. O primeiro debate da legislatura aconteceu numa altura sensível - em plena semana de reuniões entre Governo, o BE, o PCP, o PAN, o PEV e o Livre sobre o Orçamento do Estado para 2020 - e centrou-se no aumento de rendimentos, assunto em que estes partidos estão de acordo, embora peçam para se “ir mais longe”. 

Sobre esta matéria, apesar de coexistirem visões um pouco diferentes e de Catarina Martins pedir mais a António Costa, não houve as habituais picardias ou tensão entre os dois. Houve tomadas de posição, mas nenhum esticou a corda. A líder do BE desafiou o primeiro-ministro a negociar a legislação laboral na Assembleia da República porque “a concertação não é a câmara alta do Parlamento. Dando como exemplo o que aconteceu na questão do salário mínimo, a bloquista perguntou a Costa se não lhe é evidente que para poder “subir os salários médios" é preciso avançar sem a concertação. Costa discordou: “Ficar dependente da Concertação Social? Não. Ignorar a Concertação Social? Nunca.” 

Este foi dos poucos momentos em que divergiram de caminho. De resto, das perguntas sobre conciliação da vida profissional e familiar à necessidade de promover a contratação colectiva, António Costa e Catarina Martins estiveram de acordo, mesmo que a velocidades diferentes. Aliás, sobre a contratação colectiva, a líder do BE foi buscar uma reivindicação antiga dos sindicatos sobre a caducidade das convenções. “Não podemos ficar reféns dos patrões”, disse. Sobre este assunto, o primeiro-ministro disse que “nenhum parceiro social tem o direito de congelar a contratação colectiva” e que o Governo já adoptou algumas medidas nesta matéria, nomeadamente sobre as portarias de extensão das convenções colectivas ou de uma “maior dinamização da contratação colectiva”.

O mesmo aconteceu com Jerónimo de Sousa, apesar de o comunista ter discordado do aumento do salário mínimo apenas para 635 euros de forma mais veemente. “O que o Governo anuncia fica aquém do necessário e possível, a nossa proposta de 850 euros é perfeitamente comportável pela economia”, defendeu o líder do PCP. Também o comunista falou da necessidade de se rever a legislação laboral para promover a contratação colectiva. “A dinamização da contratação colectiva que o Governo diz querer promover será apenas uma simples proclamação se não se revirem as normas laborais. Não dá a cara com a careta: fez aprovar a lei da caducidade e agora diz que quer dinamizar a contratação colectiva”, afirmou. 

O Livre também criticou o facto de o valor não ir mais além. Joacine Katar Moreira disse que “falar de salários é falar de amor” e que um aumento para 635 euros não “é óptimo”. Costa respondeu que não se trata de amor, mas de “justiça social”.

À esquerda, o primeiro-ministro sabe o que o espera, e por isso deu uma resposta clara a José Luís Ferreira, do PEV, quanto este lhe perguntou se iria haver contrapartidas para o aumento dos salários. “Não há qualquer contrapartida sobre a actualização do salário mínimo nacional, nem neste ano nem nos outros”, disse Costa.

Nos próximos tempos, sobre este tema, o Governo vai negociar em duas frentes. A negociação na Concertação Social, sobre as medidas que Costa recusa chamar de compensatórias, começa no final do mês, ao mesmo tempo que as Finanças e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares negoceiam com os partidos o que vai ser o Orçamento do Estado para 2020. com Maria Lopes

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