Pensos e tampões para todas: Amika quer-nos pôr a falar sobre o período

Aos 18 anos, Amika George descobriu que havia meninas que não iam à escola quando estavam com o período. O motivo? Não tinham dinheiro para comprar pensos ou tampões. Decidiu então começar o movimento #FreePeriods para acabar com a “pobreza do período” e os tabus que o rodeiam. E está a conseguir.

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Quando foi a última vez que falaste sobre período? Amika George fala sobre ele “a toda a hora” — e, por isso, conseguiu convencer o Governo inglês a oferecer tampões e pensos higiénicos nas escolas. A activista britânica tinha 18 anos quando descobriu que existia algo chamado “pobreza do período”. “Meninas de dez anos, ou de 18, como eu, faltam frequentemente à escola porque não têm dinheiro para comprar produtos de higiene íntima”, contava Amika, em 2017, numa palestra no Reino Unido.

“Há raparigas que têm que escolher entre uma educação que precisam e merecem ou ir para a escola a usar alternativas [aos pensos e tampões] quase primitivas, como papel higiénico [40% das raparigas do Reino Unido admitem ter usado esta alternativa], meias velhas ou papel de jornal.” Segundo dados da OnePoll, são mais de 137 mil as que vivem nestas condições. Foi a tomada de consciência desta realidade — e a percepção de que algo que sempre foi garantido para si não o era para todas as raparigas — que fez Amika pôr mãos à obra e começar o movimento #FreePeriods, cuja missão é “assegurar-se que ninguém tem que faltar à escola por estar com o período”.

De acordo com a Plan International, uma organização não-governamental de defesa dos direitos das mulheres, 10% das raparigas do Reino Unido não têm condições para pagar estes produtos — estima-se que, ao longo da vida de uma mulher britânica, estes produtos representem uma despesa de 18 mil libras (cerca de 20 mil euros) —, sendo que uma em cada dez falta às aulas regularmente devido à falta deles.

Perante os números, a activista começou, em 2017, uma petição onde propunha ao Governo que utilizasse a “lista de alunas que recebiam refeições escolares”, ou seja, as que pertenciam aos grupos socioeconómicos mais baixos, para lhes fornecer gratuitamente produtos de higiene íntima. Em Dezembro do mesmo ano, organizou uma manifestação, em conjunto com um grupo chamado The Pink Protest, que reuniu mais de duas mil pessoas em frente à residência da então primeira-ministra, Theresa May, contra a pobreza do período.

As reivindicações foram ouvidas e, em Março de 2018, o Governo disponibilizou um milhão e meio de libras (cerca de 1,7 milhões de euros) para solucionar o problema. Em entrevista à revista Time, que a nomeou uma das 25 adolescentes mais influentes de 2019, a activista disse que a quantia não era suficiente, nem “uma solução a longo prazo”.

Mas em 2019 o cenário mudou. Apesar de a petição de Amika não ter atingido as 300 mil assinaturas (actualmente conta com cerca de 280 mil), o Governo anunciou em Março último que iria fornecer pensos e tampões a todas as alunas das escolas secundárias e universidades inglesas. Um mês depois, comunicou que a medida seria alargada também às escolas primárias e que deverá entrar em vigor já no início de 2020.

E há mais: além do investimento no Reino Unido, o Governo vai doar dois milhões de libras (2,33 milhões de euros) a organizações que trabalham a pobreza do período a nível mundial e 250 mil libras (290 mil euros) para departamentos governamentais, instituições de caridade e empresas privadas britânicas para resolver o problema a nível nacional.

Apesar das vitórias, Amika, agora com 19 anos e a estudar em Cambridge, quer juntar-se a movimentos de diferentes países, para “pressionar os governos a introduzir produtos de higiene íntima nas escolas”. Porque “assegurar estes produtos em escolas é um investimento na educação, na igualdade e no futuro de pessoas de todo o mundo”, lê-se no site da #FreePeriods.

E a luta não se esgota aqui. O estigma à volta da menstruação é outro dos focos de Amika: “Durante muito tempo, o período tem sido associado a sujidade e nojo, medo e impureza.” O Nepal, por exemplo, só em 2018 proibiu a prática secular hindu, o Chaupadi, que bania as mulheres das suas próprias casas enquanto estavam menstruadas, obrigando-as a dormirem na rua ou em abrigos. O objectivo era manter a pureza do lar. Apesar de ter sido constituída crime, “não é fácil terminar uma tradição em um ou dois anos”, disse Maya Thapa, ministra das Mulheres, Crianças e Idosos do Nepal, citada pelo The Guardian — ainda assim, prevê-se que o número de mulheres submetidas à tradição tenha descido cerca de 20%.

Se por cá estas práticas não acontecem, a verdade é que o tema continua a ser tabu e visto como “um assunto de mulher”, pelo qual só elas se devem interessar. Além dos diferentes mitos à volta do tema, como o de não poder fazer bolos ou lavar o cabelo, continuam a existir constrangimentos quando o assunto é menstruação. Esse é, precisamente, um problema que Amika aponta como sendo um dos principais: “O silêncio.”

“Não falar sobre o nosso período significa uma subserviência silenciosa”, acredita a jovem. “Por isso, rimos mecanicamente quando a expressão Aunt Flo [expressão usada para falar de menstruação] vem à conversa, e falamos como se estivéssemos a trocar droga quando alguém nos pergunta se temos um penso a mais”, continua. Para “acabar com a vergonha que existe à volta do período”, a activista criou a hashtag #FreePeriodStories, onde convida as pessoas a partilharem experiências sobre a menstruação.

O que também pode ajudar é o novo emoji que representa a menstruação. Apesar de a Unicode Consortium, entidade responsável pelos emojis, ter rejeitado a primeira proposta feita pela Plan International UK — umas cuecas com duas gotas de sangue —, acabou por lançar uma gota de sangue. Uma opção mais discreta, mas que poderá significar um avanço também no mundo digital.

Afinal, “se queremos erradicar a pobreza do período e acabar com o tabu à volta da menstruação, temos que contar a toda a gente sobre os nossos períodos”, afirma Amika. “Independentemente do quão sangrentos eles sejam.”

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