Hariri mantém-se na chefia do Governo do Líbano até haver nova solução

O novo Governo pode demorar meses a formar. O Líbano está à beira do abismo económico e os apelos a reformas económicas ganham força. Os manifestantes recusam abandonar as ruas e querem um governo composto por tecnocratas independentes.

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O Presidente libanês, Michel Aoun, com o primeiro-ministro demissionário, Saad al-Hariri Reuters/Handout .

O Presidente libanês, Michel Aoun, pediu ao primeiro-ministro demissionário, Saad Hariri, que se mantenha no cargo até se formar um novo Governo, o que pode levar meses. O Líbano está à beira do abismo económico e os apelos a reformas económicas ganham força. Os manifestantes recusam abandonar as ruas e querem um governo composto por tecnocratas independentes. 

O Governo de Hariri era uma solução de unidade nacional num país com um complexo xadrez étnico-religioso e no qual o poder está dividido entre os vários grupos – o primeiro-ministro é sempre um sunita, o líder do Parlamento um xiita, o Presidente um cristão maronita. A saída de Hariri mergulha o país na incerteza por o Hezbollah, um dos seus apoiantes e que defendia a sua manutenção no cargo, poder ganhar influência no país, diz a Reuters. 

Se se tiver em conta o tempo de formação do Governo de Hariri, nove meses, as negociações para um novo executivo podem arrastar-se, impedindo a adopção de medidas económicas de emergência. Isto por, na segunda-feira, o governador do Banco Central libanês, Riad Salameh, ter avisado ser necessária uma solução económica “dentro de dias” para se evitar o mergulho no abismo – os bancos estão fechados há mais de dez dias úteis, esperando-se que reabram na sexta.

A demissão de Hariri era uma das exigências dos manifestantes num leque de reivindicações mais abrangente: a mudança de regime, afastando a elite corrupta que dizem ter afundado o país nas últimas décadas, desde o fim da guerra civil. Foi em clima de festa que os manifestantes reagiram à demissão de Hariri. 

“É um bom primeiro passo, mas vamos continuar nas ruas”, disse à Al-Jazira Pierre Mouzannar, manifestante de 21 anos no centro de Beirute. “Hariri é parte do problema, mas não todo. Acho que ninguém pensa que terminámos [os protestos]”. Para Saba, manifestante também com 21 anos, o próximo passo é claro: “Recuperar o dinheiro que os políticos nos roubaram. Vamos responsabilizá-los a todos e Deus está do nosso lado”.

Os manifestantes querem ser um actor político de relevo no futuro próximo do país, apesar de os protestos carecerem de organização e não haver uma entidade que possa liderar eventuais negociações. Quem protesta quer um novo governo composto por tecnocratas independentes capazes de apresentar soluções imediatas para a crise económica e que garantam serviços públicos básicos de qualidade. 

“Não queremos ninguém da classe dominante no novo governo. O mais importante é livrarmo-nos deles todos e redigir uma nova lei eleitoral que elimine o sectarismo e que faça do Líbano um único círculo eleitoral”, disse Rafeef, estudante de direito de 21 anos, à Al-Jazira. 

É bastante improvável que um governo exclusivamente composto por tecnocratas independentes venha a ser formado, disse Sami Nader, director do Levant Institute for Strategic Affairs. “Vão ser nomeados alguns independentes para satisfazer a rua, mas o antigo modus operandi vai manter-se”, explicou ao canal árabe. Os partidos continuarão a ter a dianteira, ainda que preocupados com a rua. 

Hariri depois de Hariri?

Os sinais de que assim poderá ser já começaram a surgir. Hariri estará disposto a encabeçar um novo governo sob a condição deste contar com tecnocratas dispostos a implementar reformas económicas de fundo, disse à Reuters uma fonte próxima do processo de formação do executivo. A mesma fonte disse que o novo executivo não deve contar com vários elementos do anterior governo. 

Samir Geagea, líder das Forças Libanesas, cujos quatro ministros se demitiram dois dias depois de os protestos começarem, apoiou essa linha ao defender a formação de um novo Governo com “especialistas” conhecidos pela sua “transparência, integridade e sucesso”. 

Há meses que a economia libanesa está em dificuldades. Hariri anunciou planos para a subida dos impostos sobre o tabaco, a gasolina e as chamadas de WhatsApp e milhares de libaneses saíram à rua em protesto desde 17 de Outubro. Os protestos juntaram pessoas de todas as idades, grupos étnicos e religiosos, uma união inédita num país que viveu uma longa guerra civil (1975-1990), e propagaram-se a todo o país, incluindo ao Sul, bastião do Hezbollah. Estradas foram cortadas, auto-estradas bloqueadas, acampamentos montados e greves convocadas. O país ficou paralisado. 

Abismo económico

A frágil economia libanesa é fortemente dependente do dólar e desde a década de 1990 que os sucessivos governos têm dependido de empréstimos, patrocinados pela França, para se financiarem, diz o jornalista Robert Fisk, no Independent. “Os governos libaneses pediram tantos empréstimos no pós-guerra  normalmente com a ajuda do seu antigo mandante colonial, a França – que acabou por ter de despender 80% do seu orçamento na dívida soberana”. 

As taxas de juro subiram a par e passo com a dívida soberana – está nos 150% do PIB e continua a subir – e os investidores estrangeiros deixaram de confiar no Estado libanês, secando os cofres do país e levando à depreciação da libra libanesa 1500 libras perfazem hoje um dólar. A economia ficou à beira do abismo. 

A solução foi a subida dos impostos que levaram aos protestos e quando a contestação subiu de tom, com a violência a tornar-se a principal característica, milícias do Hezbollah atacaram manifestantes que bloqueavam uma estrada em Beirute, por exemplo. Para os acalmar, Hariri anunciou um pacote de medidas de austeridade, como cortes nos salários dos altos funcionários, e reformas estruturais. Quis tanto apaziguar os manifestantes como apresentar um plano para o Fundo Monetário Internacional (FMI) lhe conceder um empréstimo de emergência. 

Os manifestantes viram as propostas como insuficientes e continuaram a protestar - o FMI ainda está a analisar as medidas. 

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