Motoristas fecham acordo com patrões e pedem “fiscalização no terreno”

Sindicatos e patrões assinaram a paz mas depositam na fiscalização do Estado os esforços necessários para que não se repita a “guerra” que este ano já levou a duas greves.

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O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, sublinhou o sentido de responsabilidade e compromisso manifestado por todas as partes neste processo Nuno Ferreira Santos

Duas associações patronais e três representantes de sindicatos assinaram esta terça-feira o Contrato Colectivo de Trabalho Vertical (CCTV) para os motoristas de transportes de mercadorias, escrevendo o capítulo final da guerra que os opôs durante os últimos seis meses, com duas greves pelo meio. Esta terça-feira, o novo documento foi assinado pela Associação Nacional de Transportadoras Rodoviários de Mercadorias (Antram) e pela Associação Nacional de Transportadoras Portuguesas (ANTP), do lado dos patrões, e pela Federação dos Sindicatos de Transportes (Fectrans), pelo Sindicato Nacional de Motoristas (SNM) e pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP). Reagendada para a próxima quinta-feira ficou a assinatura do Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM), cujos membros da direcção não tiveram disponibilidade de agenda para estar esta terça-feira na sede da Antram onde foram feitas todas as assinaturas.

Para a Fectrans, a primeira estrutura sindical a firmar o documento, este é o culminar do processo de revisão do CCTV que tinha assinado para 2018 e que continua em vigor até hoje. Em comunicado, a federação afecta à CGTP sublinha que teve oportunidade de “fazer da mesa de negociação um espaço de luta”, de forma “a aproveitar todos os espaços com vista a dar resposta às reivindicações dos trabalhadores e a realidade demonstrou ser esta a opção certa”. Esta afirmação dá continuidade à postura que o coordenador da Fectrans, José Manuel Oliveira, manifestou em outras situações, sobretudo depois do SNMMP e do SIMM terem decidido convocar uma segunda greve para o passado mês de Agosto. A Fectrans foi sempre dizendo que era na mesa de negociações que se podiam travar as mais importantes batalhas – isto quando os outros sindicatos tentaram tirar os motoristas da estrada e convocar uma nova greve.

Nem Pedro Pardal Henriques, do SNMMP, nem Jorge Cordeiro, do SIMM, podem dizer que conseguiram atender todas as reivindicações que levaram para o terreno da greve. Mas, como disse Pardal Henriques, “há vitórias que podem desde já ser declaradas”: a principal, afirma, é “impedir que os motoristas sejam pagos por debaixo da mesa e depois tenham baixas e reformas indignas”. Outra vitória é o facto de ter ficado escrito no CCTV que o horário máximo semanal permitido aos motoristas é de 48 horas – e “nem que haja acordo entre motoristas e patrões ele pode ser ultrapassado”. Ficou também escrito que desde que coloca o cartão no tacógrafo até que o retira depois da jornada, o horário de trabalho do motorista está a contar – a única excepção é a pausa para refeições. Esta alteração é relevante, por causa das pausas técnicas (obrigatórias por lei) e pelo facto de a espera durante as cargas e descargas não ser contabilizada em alguns casos. “O mais importante agora”, sintetizou o porta-voz do SNMMP, Pedro Pardal Henriques, é garantir que “haja fiscalização no terreno”, referindo-se à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes.

Recorde-se que o CCTV que agora foi assinado é uma revisão do anterior, assinado em 2018 e que havia sido subscrito apenas pela Fectrans. Foi por se oporem a ele que uma outra associação patronal - a União de Transportadores Portugueses (UTP) – e o SIMM assinaram uma portaria de extensão a manifestarem oposição a este contrato colectivo. E foi também na sequência dessa assinatura que foi criado posteriormente o SNMMP.

Depois da primeira greve em Abril, convocada pelos motoristas de matérias perigosas e cujo impacto e alcance parece ter apanhado desprevenidos todos os portugueses, a assinatura de um protocolo negocial em Maio entre a Antram e as três estruturas sindicais pretendia assinalar o acordo entre todos. O objectivo desse protocolo negocial era estabelecer as balizas em que se iria fazer a revisão do CCTV – e foi a meio desse processo, descontentes com o rumo que ele estava a tomar, que o SIMM e o SNMMP decidiram convocar a greve de Agosto. Enquanto isso, a Fectrans continuou a negociar.

O resultado final deste acordo, sintetiza a Fectrans, é “o aumento dos salários reais dos trabalhadores, a melhoria da protecção social e a revisão de cláusulas importantes na relação de trabalho com ganhos significativos para os trabalhadores”. Os valores salariais entram em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2020 – e o salário mínimo base do motorista de qualquer categoria será de 700 euros. Os valores voltarão a ser actualizados em 2021. À saída do encontro de formalização do acordo, o coordenador da Fectrans prometeu a intenção de ir “empresa por empresa, garantir que este contrato é cumprido”.

Do lado dos patrões, a perspectiva sobre esta nova fase entre empresas e motoristas é também positiva. “O objectivo é dar bases de trabalho para melhorias futuras. Este é o momento de dar reconhecimento a um sector muito importante. (...) A valorização do sector tem sido um dos nossos objectivos”, disse o presidente da ANTRAM, Gustavo Duarte, em declarações aos jornalistas. "Não é com greves que se fecham acordos”, rematou. 

Num comunicado enviado às redacções, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação enaltece “o sentido de responsabilidade e compromisso manifestado por todas as partes neste processo”. E depois de referir que este CCTV "representa um novo ciclo de prosperidade e paz social para empresas e trabalhadores" o gabinete de Pedro Nuno Santos sublinha a importância que ele tem “para a competitividade do sector e da economia nacional e para a dignificação das condições de trabalho”.

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