Um governo confiante à esquerda

O primeiro-ministro não esperou pelo programa de Governo para invocar a “geringonça” e declarar ao que vem, mas falta ainda muito para perceber até onde irá

Bem se podem queixar os socialistas de que António Costa, tão hábil na manobra política, seja regularmente débil em campanha eleitoral, mas é vê-lo renascer como primeiro-ministro para que o que era hesitação e falta de clareza se transfigure em assertividade e ambição.

Se em período de conquista de votos, Costa tergiversou entre atacar os anteriores parceiros ou em reconhecer futuro para solução encontrada nos últimos quatro anos, em dia de tomada de posse foi para eles que se virou e foi à esquerda que fez promessas. Aos partidos que “têm sido” e que espera que “continuem a ser” os seus parceiros, o primeiro-ministro prometeu um salário mínimo de 750 euros até 2023, o elevar do “Complemento Social para Idosos até ao limiar de pobreza” e não menosprezou a frente ambiental com a promessa de encerrar as centrais termoeléctricas antes do final do mandato. 

Se para a esquerda há diálogo – “o muro que foi derrubado em 2015 não será reconstruído” –, mesmo que sempre com contas certas, para a direita, Costa reserva a possibilidade de ser uma oposição que “se constitua como alternativa”. De um PSD em convulsão interna e um CDS em crise existencial não há, para já, muito mais a esperar.

Com as contas eleitorais feitas, António Costa regressa ao seu elemento natural, o da negociação e dos equilíbrios políticos, e se no seu discurso de posse em 2015 prometeu “um governo confiante”, em 2019 não fez muito menos, reforçando a vontade de que este seja um executivo para quatro anos, alheio aos resultados que possam advir dos próximos ciclos eleitorais. Mesmo que tenha aproveitado para anunciar Conselhos de Ministros descentralizados, tão ao jeito do ciclo autárquico que se aproxima.

Perante um Presidente da República exigente, que preferiu recordar o seu papel de “fusível de segurança” do que exigir a meta dos quatro anos de legislatura e que lembrou que o Governo provará a sua qualidade na capacidade de fazer escolhas, o primeiro-ministro empossado revelou algumas, traçando metas que são exigentes mas ainda curtas para um país que nunca ultrapassará as suas debilidades endémicas se continuar a ser um país de salários mínimos.  

O primeiro-ministro não esperou pelo programa de Governo para invocar a “geringonça” e declarar ao que vem, mas falta ainda muito para perceber até onde irá.

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