O que os animais nos ensinam sobre a condição humana

Os animais são o assunto central da 7ª edição da revista Electra, da Fundação EDP, que analisa a emergência da causa animal nas primeiras décadas do século XXI. O tema é mais complexo do que parece e permite até alargar a discussão ao lugar dos seres humanos no mundo.

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D.R.

Os animais fazem parte do nosso dia-a-dia mas há hoje uma diferença essencial no modo como os olhamos e falamos deles.

Pouco depois de o cinema ter som, por volta dos anos 30, um conjunto de curtas-metragens denominadas Dogville Comedies dava “voz” aos animais na sétima arte, estima-se que pela primeira vez. Isso foi como que um prenúncio do que aconteceria no mundo real muito depois, sem efeitos artificiais, e derivado a uma nova consciência, com a sociedade a tornar-se mais interventiva na defesa dos direitos dos animais que foram reconhecidos na lei. A criação de uma nova área de estudos - os Animal Studies – convocou disciplinas diversas como a antropologia, política, ética, sociologia, psicologia, etologia e a biologia.

É este o dossiê da revista Electra, da Fundação EDP, já nas bancas e livrarias, por 9 euros.

O facto de sabermos que os animais podem sofrer e sentir mudou a perspectiva da sociedade e de várias áreas de estudo. “Nunca antes tinha havido, como no nosso tempo, tanto debate público sobre os animais, tanto cuidado e preocupação com o destino e o tratamento a que estão sujeitos”, escreve António Guerreiro no início do seu artigo “Nós e os (outros) animais”. Para o autor, a linha aparentemente “intransponível” ultrapassou-se quando foi reconhecido que “eles sofrem como nós”.​

A filosofia não escapa à sua análise, nem à do sociólogo Alessandro Dal Lago, que assina na Electra Nº7 “Genocídios. Notas sobre a má consciência dos filósofos”. Em 2018, Alessandro publicou uma obra com Massimo Filippi e Antonio Volpe, onde abordam, entre outros assuntos, a predisposição para o consumo de carne e as questões morais presentes no debate da animalidade. Se antes se encaravam os animais como coisas e mercadoria, houve uma viragem que mudou os conceitos e forçou a sociedade em geral a repensar as ideias consolidadas ao longo de vários séculos.

A defesa dos direitos do animais

A quase “humanização” dos animais, no reconhecimento da sua capacidade de sofrer e até de inteligência, tem vindo a fazer ouvir a sua “voz”. António Bracinha Vieira, professor e investigador, recorre à paleoantropologia e à etologia para traçar uma história evolutiva desta temática. Já Massimo Filippi, professor de neurologia em Milão, retrata as “Arquitecturas de espécie” para desenvolver a sua análise, que se opõe veementemente à divisão intransigente entre o ser humano e os animais. “O Homem constituiu-se sempre como uma entidade superior e exterior ao resto do mundo, uma entidade tão especial que considera que todas as outras criaturas estão à sua inteira disposição”, reitera.​

Noutro texto, o cientista Vasco M. Barreto escreve que o “homem será sempre tutor dos animais, pelo poder de destruição que tem. Por isso, como nos diz [Bernard] Williams, a nossa única questão moral diz respeito à forma como devemos tratá-los”. Uma ideia a que o filósofo búlgaro Boyan Manchev dá seguimento no seu artigo: “Uma noção alargada do político, aquela que compreenderia os direitos dos animais, exige repensar as noções políticas actuais. Falar de ecopolítica equivaleria a falar também, paradoxalmente, de uma política animal”.

Magali Reus, Notre-Dame e outros temas

O mundo parou em Abril deste ano para assistir, impotente, à destruição parcial de um dos monumentos mais emblemáticos da história europeia. “Notre-Dame: O culto do património e o seu uso político” desenvolve uma discussão ampla em torno deste tema, com a assinatura de Salvatore Settis, arqueólogo e historiador, Carlo Pùlisci, historiador de arte, e Pedro Levi Bismarck, arquitecto e investigador. O Portefólio é da autoria de Magali Reus, artista holandesa que se tem destacado na escultura, mas que mostra na Electra o seu primeiro projecto fotográfico.​

Destaque também para a “marquesa futurista” Luisa Casati, assim baptizada pelo poeta Marinetti e aqui revisitada por José Manuel dos Santos, e para um trabalho sobre Hisham Mayet. Trata-se de um artigo da autoria dos fotógrafos e editores José Pedro Cortes e André Príncipe, que estiveram uma semana em Tânger para conversar com o multifacetado cineasta e musicólogo, fundador da editora Sublime Frequencies. Isto e muito mais para ler na Electra Nº7.