Fecho de urgência pediátrica em Almada é sinal do desinvestimento no SNS, dizem médicos

“Houve uma destruição total das equipas das urgências com a contratação das empresas de prestação de serviço”, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Médicos na abertura do congresso nacional.

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ftx Fabio Teixeira

Pela terceira vez este mês a urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta está encerrada. O serviço volta a estar disponível na próxima segunda-feira, a partir das 8h. “O que está a acontecer no Garcia de Orta é consequência de uma política que se arrasta há 20 anos e levou à desorganização dos serviços dos cuidados hospitalares e centros de saúde”, afirmou João Proença, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam).

Para o médico, que falou ao PÚBLICO após a sessão de abertura do 12º Congresso Nacional da Federação Nacional dos Médicos, este sábado, tem havido “um favorecimento claro dos interesses dos privados” e “pouco investimento técnico e organizativo nas equipas multidisciplinares” dos serviços públicos.

“Houve uma destruição total das equipas das urgências com a contratação das empresas de prestação de serviços. Os 104 milhões de euros que gastaram no ano passado davam para 3000 lugares para médicos nos centros de saúde ou nos hospitais em dedicação exclusiva”, apontou.

O problema que se vive de falta de pediatras não é exclusivo de Almada, disse. “O hospital de Santiago do Cacém tem um pediatra, Portalegre três, Évora seis, o Hospital Amadora-Sintra tem dificuldade em manter a urgência 24 horas”, enumerou.

Mais médicos podem sair

O presidente da secção regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, recordou que há cerca de oito meses “tinham saído oito médicos” do serviço de pediatria do Hospital Garcia de Orta, tornando “muito difícil” fazer as escalas para urgência. Entretanto, “já saíram mais médicos e os que estão se as urgências forem assim também se vão embora”. A Fnam já tinha denunciado que havia médicos a serem escalados para as urgências quatro vezes por semana.

O dirigente da Ordem referiu que com “o número de profissionais que existem para fazer urgências não é possível mantê-la aberta”. E considerou “muito grave” não existir um apoio completo de pediatria às populações da margem sul, onde também faltam médicos de família. “As pessoas estão a ser encaminhadas para Lisboa, onde as urgências também estão sobrelotadas”, disse.

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, criticou um dos “mais severos ataques ao SNS” através do “desinvestimento” que se tem registado. “Passámos quatro anos terríveis de negociação. O que se conseguiu foram menos do que migalhas”, referiu, dando o exemplo do concurso para abertura de 200 vagas para assistentes graduados seniores (topo da carreira médica) publicado no início da semana, três meses depois de o Ministério da Saúde o ter autorizado.

“Num momento de desinvestimento no SNS, nos recursos humanos, em equipamentos, o que se vai fazer? Fecha-se a urgência [pediátrica] de Almada e vão buscar [médicos] à misericórdia”, disse, fazendo alusão ao possível protocolo que o hospital está a procurar com a Santa Casa da Misericórdia e a União das Misericórdias para usar pediatras dessas instituições no Garcia de Orta.

“O ataque ao SNS não é retórico. Este é um momento difícil que vai obrigar a uma melhor organização e à defesa intransigente dos nossos doentes”, afirmou Roque da Cunha, no discurso que fez no congresso nacional da Fnam.

O bastonário dos médicos, na sua intervenção, salientou que “os médicos estão esgotados” e que no SNS “há muito que é pedido que se faça o possível e o impossível”. “Em 24 horas os médicos fazem 120 mil consultas, 18 mil urgências, 2150 internamentos, 1850 cirurgias, 190 partos, muitos transplantes, milhares biopsias. Os médicos fazem o SNS. A qualidade dos indicadores depende dos profissionais de saúde. Não é possível melhorar o sistema de saúde se não valorizarmos as pessoas”, defendeu Miguel Guimarães.

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