A literatura norueguesa vista como paisagem

A Noruega quis transmitir no seu pavilhão de país convidado da Feira do Livro de Frankfurt a experiência que um leitor tem quando pega num livro e o lê. Embora as suas mesas para livros não sejam as imagens dos fiordes que muitos esperavam, há paisagem e natureza nelas.

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Os espelhos dão uma sensação de infinitude ao pavilhão PHILIPP GUELLAND/ reuters
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O Príncipe Haakon da Noruega, a Princesa Mette-Marit e a primeira ministra norueguesa Erna Solberg na mesa concebida por Erling Kagge e Sissel Tolaas Thomas Lohnes/Getty Images
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Os frasquinhos que mais parecem pimenteiros ou saleiros "são uma biografia dos cheiros noruegueses" DR
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Um grupo de pessoas, à volta de uma mesa, leva ao nariz uns frasquinhos de metal, daqueles que costumam servir para o sal e para a pimenta. Cheiram, fazem caretas de desagrado ou esboçam um sorriso e mostram prazer. Esta é a mesa mais concorrida das 23 que a Noruega instalou no seu pavilhão na Feira do Livro de Frankfurt onde é o país convidado. É uma instalação criada pela pesquisadora de cheiros e artista norueguesa que vive em Berlim, Sissel Tolaas, e pelo editor, escritor e explorador norueguês Erling Kagge, autor dos livros Silêncio na Era do Ruído e A Arte de Caminhar (ambos editados pela Quetzal). Chama-se Invisible silence - The best things in life have no lasting forms (que pode ser traduzido por Silêncio invisível - as melhores coisas da vida não perduram) e que consiste em 22 objectos colocados numa mesa onde as pessoas são convidadas a usufruir de “uma biografia silenciosa de um norueguês em 22 cheiros”.

Cada frasquinho está colocado em cima de um cartão com uma mensagem: “Um livro”; “Bacalhau, acabado de cozer”; “Mãe a vestir-se para uma festa, sábado à noite”, “O primeiro beijo, ela tinha gloss nos lábios com sabor a pêssego, provavelmente 1975”; “Morangos selvagens, com molho de baunilha”, “Oceano, costa oeste, Bekjarvik, Outono passado”; “Lar para pessoas idosas, com uma Janela aberta”; “Medo”; “Lágrimas”; “Puberdade, excitação sexual”; “Queijo de cabra norueguês”, “Véspera de Natal, um pinheiro, a casa limpa. Quatro anos de idade:’Tenho tudo o que preciso na vida’”, “Nascimento, sangue, saliva, detergentes”, “Amamentar, baunilha, leite doce. O nariz é o primeiro a perceber” ou ainda “Asfalto, dez minutos depois de ter parado de chover”.

Entrar no pavilhão norueguês, despido mas cheio de significado, dá ao visitante a impressão de ter entrado num museu com uma gigantesca instalação. É verdade que não é muito didáctico, não se sai de lá a saber muito mais sobre a história da literatura norueguesa, ainda para mais se não se perceber alemão, língua em que estão editados a maior parte dos livros. Mas também se encontram edições de autores noruegueses, principalmente de Karl Ove Knausgård​, em outras línguas como o português, que o público pode consultar.

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A arquitecta Beate Marie Hølmebakk, do atelier Manthey Kula, explica que as expectativas eram que a Noruega trouxesse para Frankfurt as paisagens por que é conhecida PHILIPP GUELLAND/EPA

Esculturas no ar

O escritor islandês Halldór Guðmundsson, coordenador do projecto da Noruega como país convidado, explicou ao PÚBLICO que o pavilhão concebido por dois ateliers de arquitectura que trabalharam em conjunto, o Manthey Kula e o LCLA, depois de um concurso a que concorreram mais de 60 arquitectos, mostra alguns dos temas da literatura norueguesa ou inspira-se em algumas ideias retiradas de poemas que foram publicados durante um ano no projecto “Poema da Semana” no site www.norway2019.com. Quiseram mostrar mesas com livros que fossem ao mesmo tempo vistas como esculturas. “Temos aqui uma paisagem de esculturas fantásticas representando os livros noruegueses. Essa foi a nossa ideia principal porque é isso que os livros fazem. Estão à nossa frente e depois, [com a leitura], deixam a nossa fantasia ir, elevar-se no ar tal como acontece com estas esculturas”. Os temas são variados. Uma mesa é dedicada à literatura infantil, outra dedicada a exploradores polares e viajantes, há a mesa do povo Sami, a dos livros censurados e proibidos, a da linguagem, a da arquitectura e fotografia, a dos livros dedicados aos passatempos como tricotar, a das bibliotecas, a da natureza e do turismo, a da poesia, a dos autores clássicos, a da banda desenhada, a dos cheiros, etc. “É bastante diversificado e interessante”, acrescentou o curador.

A arquitecta Beate Marie Hølmebakk, do atelier Manthey Kula, explicou que as expectativas eram que a Noruega trouxesse para Frankfurt as paisagens por que é conhecida. Não o fizeram mas de alguma maneira, cada mesa “é uma abstracção de vales, fiordes, montanhas da paisagem norueguesa que as pessoas querem visitar quando viajam até à Noruega”. Por exemplo, uma delas chama-se “quando a montanha sustem a respiração”. Quiseram que as mesas não fossem efémeras por isso utilizaram materiais duráveis e que sobrevivessem a intempéries. São de alumínio, produzido pela Noruega, embora tenham sido fabricadas na Alemanha.

Além das mesas com livros, há no pavilhão dois espelhos de cada lado que dão a sensação de o pavilhão ser infinito e quatro fotografias gigantes de paisagens do Norte, na terra do povo Sami, do fotógrafo Per Berntsen. E ainda dois palcos, por onde nos próximos dias os mais de 75 escritores noruegueses convidados passarão para falar das suas obras.

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Wittgenstein’s Boat, instalação da artista norueguesa Marianne Heske PHILIPP GUELLAND/EPA

O barco de Wittgenstein

Na parte de trás, ao pé do café com especialidades norueguesas, há também uma instalação da artista norueguesa Marianne Heske (que nos contou ter tido há muitos anos uma instalação vídeo em exposição na Gulbenkian) intitulada Wittgenstein’s Boat. É um barco antigo de madeira, que ia ser queimado e que a artista salvou e alude ao barco que o filósofo Ludwig Wittgenstein teve quando viveu em Sgnefjord, na Noruega, onde escreveu grande parte da sua obra. “Estamos todos no mesmo barco, juntos nos afundamos ou juntos boiamos”, resumiu a artista para quem este barco pode ser visto como “uma nave espacial”, mas por causa dos buracos também pode ser “um submarino amarelo”.

O objecto agora exposto pela artista foi encontrado no fundo de um lago. “Salvei-o da fogueira, pois iam queimar os barcos antigos, para o usar na minha arte. É muito real, mas ao mesmo tempo, deixa de o ser. É uma escultura, uma obra de arte, não interessa. O importante é que dá às pessoas a possibilidade de fazerem muitas associações sobre a história, sobre a impermanência das coisas, sobre o que é real e o que não é real, o que era central para Wittgenstein”, explicou ao PÚBLICO.

E por aqui nada se perde, tudo se transforma. Embora o pavilhão norueguês só esteja aberto durante cinco dias ao público, até domingo, dia em que acaba a feira do livro na cidade alemã, a pedido dos arquitectos estas “mesas-esculturas” irão ter uma nova vida: vão ser distribuídas por várias livrarias espalhadas pela Alemanha.

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