Iniciativa Liberal votaria contra Programa de Governo

Em entrevista à Lusa, o deputado eleito pela Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo defende a criação de uma comissão parlamentar contra a corrupção.

Foto
João Cotrim Figueiredo é o deputado eleito pela Iniciativa Liberal LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O deputado eleito do Iniciativa Liberal votará contra o Programa de Governo, se ele for submetido a votação na Assembleia da República, e revela que as suas primeiras propostas serão de desagravamento fiscal perante um parlamento onde se quer sentar ao meio, “o mais longe dos extremos possível”.

“Já sabemos o que é que o Partido Socialista vai querer fazer, não vai divergir daquilo que foi o seu programa de campanha. A Iniciativa Liberal vai ser sempre uma oposição clara e firme ao socialismo em Portugal, e entenda-se socialismo por todas as medidas que aumentem o poder do Estado e diminuam o poder das pessoas. Como sabemos que o programa do PS vai nesse sentido, não me refugio na resposta protocolar, dou já a resposta: vamos votar contra o programa de Governo”, anuncia João Cotrim de Figueiredo.

Em entrevista à agência Lusa, Cotrim de Figueiredo revela também que se quer sentar “o mais longe dos extremos possível” no plenário da Assembleia da República, ou seja, sentando-se a meio do hemiciclo, referindo que o seu partido, fundado em 2017, tem um “agnosticismo” relativamente à divisão esquerda-direita, que remonta à Revolução Francesa.

“Gostaríamos de estar algures numa segunda dimensão, porque não nos revemos de todo nesta geometria, mas o hemiciclo é o que é, não será por nós que se vai fazer obras, portanto, tudo o que posso dizer é que vamos querer estar o mais longe dos extremos possível”, declarou, confirmando que “o meio é o que está mais longe”.

Na actual legislatura, também o PAN (Pessoas-Animais-Natureza) recusou a divisão esquerda-direita e escolheu sentar-se ao centro do hemiciclo.

Cotrim de Figueiredo, gestor e empresário, que foi presidente do conselho directivo do Turismo de Portugal entre 2013 e 2016, não adianta como a Iniciativa Liberal vai votar o Orçamento do Estado, mas é nessa sede que o partido estreante no parlamento “provavelmente” apresentará as suas primeiras medidas, o desagravamento fiscal que é a bandeira dos liberais, com uma taxa de IRS única de 15%.

“Esta proposta tem sido vista alternadamente como uma forma de reduzir impostos ou uma forma de revolucionar a maneira como os impostos sobre o rendimento são pensados. Ela tem, de facto, um aspecto importante, de desagravamento fiscal, mas tem, sobretudo, dois aspectos qualitativos a que nós damos porventura mais importância: um, primeiro, de simplificação”, sustenta, apontando que o número de horas passado a submeter e verificar declarações “tem um valor económico brutal e que não está devidamente contabilizado”.

O outro aspecto da proposta é o do combate à fuga de talentos, com a emigração para ambientes fiscalmente mais atractivos.

Cotrim de Figueiredo argumenta que Portugal está a “perder talentos”, os seus “quadros mais qualificados, que entram no segundo, terceiro, quarto ano, das suas vidas profissionais, e que facilmente entram no terceiro ou quarto escalão [de IRS], onde já têm taxas marginais de 38 ou 40%”.

“É impossível começar uma vida familiar com este tipo de taxas marginais. São entre uma vez e meia ou duas vezes as taxas que eles conseguem nos países para onde vão, fazendo com que não só tenham quase essa necessidade [de emigrar], como as empresas para onde vão trabalhar têm que despender muito menos para lhes pagar o mesmo valor líquido. Portanto, até nisso estamos a formar pessoas para depois vir a beneficiar economias externas”, considera.

Cotrim de Figueiredo reconhece que serão “mais prováveis entendimentos com PSD e o CDS em matérias económicas do que com o PS”, mas ressalva que, “noutras matérias, se calhar, há outros alinhamentos mais naturais”, recusando uma plataforma de entendimento privilegiada com sociais-democratas e centristas.

“Teremos de ver caso a caso”, declara.

Na despenalização da morte assistida, por exemplo, a Iniciativa Liberal poderá vir a votar ao lado da esquerda, embora Cotrim de Figueiredo sublinhe que tudo depende da “redacção final”, e, na gestação de substituição, por outro lado, diz ter “dificuldade em enquadrar” na ideologia liberal “a ideia de sujeitar a contrato uma gestação”.

Sobre a realização de corridas de touros, assume que envolve “aspectos de natureza civilizacional e de direitos dos animais”, aos quais declara que o partido não é insensível, remetendo para uma decisão das autarquias, dado que “a tradição taurina não é igual em todo o país”.

Cotrim de Figueiredo defende um processo de descentralização sem que haja a eleição ou nomeação de um nível de poder regional, que, considera, só iria criar “uma camada de aparelho e de ‘partidarite’” no país.

Na generalidade, a Iniciativa Liberal concorda com delegação de competências nas autarquias que tem sido feita pelo Governo do PS, embora acompanhe algumas críticas de autarcas relativamente ao atraso na transferência de recursos, em áreas como a educação, saúde e transportes, referiu.

Nova comissão parlamentar para combater corrupção

João Cotrim de Figueiredo admite uma nova comissão eventual em que se possa discutir soluções que efectivamente produzam resultados no combate à corrupção, com abertura para rever a Constituição, se for preciso.

“Penso que é a forma regimental mais correcta, uma nova comissão eventual parlamentar que de uma vez por todas possa chamar mesmo toda a gente que possa ter contributos a dar nesta área ao nível das soluções e ponderar bem todos os prós e contras que as soluções possam ter e preparar alguma coisa de concreto em sede legislativa”, defende.

Com mais de 65 mil votos e 1,29% nas eleições legislativas de 6 de Outubro, o Iniciativa Liberal elegeu um deputado, sendo uma das três novas forças políticas a entrar na Assembleia da República, a par do Livre e do Chega, que também elegeram um parlamentar.

“Faz-nos muita impressão que há 30 anos andemos a discutir o fenómeno em Portugal e que se tenha feito muito, muito, pouco”, afirma Cotrim de Figueiredo.

“Queremos aqui ser particularmente chatos porque estranhamos que em 30 anos nada se tenha passado”, defende o gestor e empresário, que foi presidente do conselho directivo do Turismo de Portugal entre 2013 e 2016.

Cotrim de Figueiredo considera que as medidas que diminuem o peso do Estado “reduzem simultaneamente as oportunidades de corromper ou ser corrompido”, mas situa-as num plano dos princípios, distinguindo-as de propostas que vão ao encontro da “dificuldade de identificar, investigar, acusar e sentenciar pessoas nestas matérias”.

Sem se comprometer com nenhuma medida, incluindo figuras jurídicas como o enriquecimento ilícito ou o enriquecimento injustificado, objeto de dois chumbos do Tribunal Constitucional, o deputado liberal prefere fazer uma “manifestação de abertura, para, sem tabus, voltar a pôr em cima da mesa as matérias que, de uma forma ou de outra, já estiveram em discussão e não produziram resultados”.

“Nós gostávamos de perceber quais são os grandes óbices”, afirmou, referindo-se concretamente ao enriquecimento ilícito, à delação premiada, e aos acordos do ordenamento anglo-saxónico, designados de plea bargin.

Sobre o enriquecimento ilícito, que tem sido declarado inconstitucional essencialmente por inverter o ónus da prova, diz que não é “a solução favorita” dos liberais, mas, ao mesmo tempo, considera que deve haver disponibilidade até para rever a Constituição.

“Se não há solução que não esbarre na Constituição resignamo-nos a viver com o actual estado de coisas no que diz respeito à corrupção, ou vale a pena abrir a discussão constitucional? Não tenho dúvidas sobre a resposta”, declara.

De acordo com aquela Lei Fundamental, que se encontra em período de revisão ordinário, “as alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções”.

Relativamente a outra das propostas da Iniciativa Liberal que têm sido uma ‘bandeira’ do partido, a ADSE para todos, Cotrim de Figueiredo explica que não estamos se trata exactamente de “ADSE para todos”, mas “de uma de várias ADSE”.

“A ADSE é um subsistema de saúde. Vamos começar com o conjunto de subsistemas de saúde todos de âmbito nacional, cobrir todo o território, com a cobertura mínima igual à do SNS e que possa convencionar com todo o tipo de prestadores que há no país, à sua escolha, cada subsistema escolhe com quem quer convencionar (hospitais públicos, privados, laboratórios, outro tipo de prestadores)”, expõe.

Com o Estado a “assegurar que o fluxo financeiro e as condições mínimas de serviço estão reguladas”, a escolha das pessoas por um subsistema “faz com que os subsistemas que melhor correspondam ao desejo das pessoas e aos critérios que vão escolher, vão ter mais aderentes, e vão, por isso, poder ter mais convenções, mais capacidade de investimento”.

“A comparticipação das pessoas, tal como hoje acontece na ADSE, reverteria para um orçamento autónomo do Orçamento do Estado que só pode ser usado para financiar os subsistemas de saúde. Não estamos a inventar a roda, o sistema existe na Holanda e partes do sistema existem noutros países e funciona muito bem, não consta que os holandeses estejam descontentes e haja listas de espera na Holanda”, sustenta.

Sugerir correcção
Ler 68 comentários