Aparecimento do Chega “põe em causa todo o regime”

Francisco Mendes da Silva, membro da comissão política nacional do CDS, defende que a direita “vai ter de se entender” para poder ir a eleições e governar, mas exclui o Chega.

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O advogado vê com bons olhos uma candidatura de João Almeida à liderança do partido. Pode ouvir a entrevista na íntegra na Renascença, às 13h desta quinta-feira.

​​Depois deste resultado eleitoral, como é que se pode salvar um partido? O CDS corre o risco de desaparecer?
Assim como pouca gente previa um resultado desta dimensão sou bastante relutante em traçar cenários catastrofistas. Obviamente que a situação política portuguesa mudou muito, porque há uma fragmentação à direita e à esquerda que é inevitável e que veio para ficar. Ela tem razões mais profundas do que a crise neste ou naquele partido e eu acho que é a continuação na política de uma segmentação que há na sociedade e no mundo que resulta da democratização dos fluxos de informação.

Como é que explica a derrocada do CDS?
Tem várias razões internas e externas. É obvio que o PSD e o CDS não iam ficar incólumes dos anos da troika. Desde logo porque fizeram o que tiveram de fazer e isso causou uma grande desconfiança do eleitorado. Houve também outras razões que não têm a ver só com o PSD e o CDS. O PS, de facto, colonizou o discurso da direita. Quando vemos os princípios que Mário Centeno impôs à governação do PS percebemos que quem ganhou o combate ideológico foi a direita.

Não houve um falhanço da liderança de Assunção Cristas?
Houve, claro que sim. Já lá vou. Mas há razões de vária índole. Nesta campanha, falou-se muito de que Rui Rio também tinha o seu Centeno, mas porque é que o eleitorado de centro-direita gosta de Mário Centeno na sua generalidade. Porque Mário Centeno é o Vítor Gaspar de António Costa. Houve erros à direita, obviamente. Houve erros no PSD, porque ficou demasiadamente à espera do diabo, que não veio, e houve erros estratégicos no CDS. No início do ano estava com 9, 10% nas sondagens, talvez pudesse ter a sua afirmação como nunca. 

Então o que é que aconteceu desde Fevereiro?
Aconteceu a crise dos professores.

Foi um erro de estratégia?
Não sei se foi um erro da medida em si se foi a gestão. O CDS tomou demasiado as dores. Hoje em dia o CDS é visto como mais culpado do que o PSD. Não é só culpa da crise dos professores mas de uma campanha que foi muito focada num eleitorado que se achava fixo.

De nicho?
Não necessariamente. As europeias são eleições em que há muita abstenção. E há aquele princípio de que ganha ou tem um bom resultado quem conseguir mobilizar o seu eleitorado. Isso fez o CDS jogar para a claque. Mas esta estratégia tem um problema de ser muito cruel, ou seja, mostra os partidos ao espelho. Quando o CDS reparou que teve 6% ficou a perceber que é o seu eleitorado fiel.

Esse resultado também não foi fruto de se ter posto as expectativas muito altas e Cristas dizer que podia ser primeira-ministra?
Agora visto à distância há, de facto, uma distância grande entre as ambições e o resultado. Ponho a questão ao contrário: o que é que um partido como o CDS podia fazer de diferente? 

O CDS enganou-se quando disse que o voto útil tinha desaparecido.
Se o CDS é tão corroído por este voto útil no PSD – e foi mais corroído do que pela Iniciativa Liberal ou pelo doutor Ventura – é porque o eleitorado vê o CDS e o PSD como sucedâneos. Houve uma evolução do eleitorado nos últimos dez ou vinte anos, que mostra que é preciso começar a pensar num entendimento à direita.

Há uma candidatura que já foi assumida de Abel Matos Santos, da tendência Esperança em Movimento, e outras duas, de João Almeida e de Filipe Lobo d’Ávila, que estão em reflexão. Sente-se próximo de algum?
Do Abel Matos Santos, com quem tenho uma relação cordial, estou nos antípodas.

Ele foi um dos críticos da liderança de Assunção Cristas.
O que o dr. Abel Matos Santos costuma dizer é que pessoas como eu estão a abastardar a matriz do CDS. Quem está abastardar a matriz do CDS é ele. A matriz do CDS é ser o partido do Freitas do Amaral, Lucas Pires e Adriano Moreira. É o partido abrangente no centro-direita que vai do centro à direita na direita democrática. O dr. Abel Matos Santos tem toda a liberdade para defender o que defende, mas é obvio que ele, apesar de se dizer que é democrata-cristão, representa em Portugal as tendências da direita que vêm lá de fora – Le Pen, Bolsonaro... 

Mais conservadoras e à direita?
Conservador sou eu.

Mais à direita?
Uma direita iliberal, digamos assim.

E em relação aos outros dois potenciais candidatos?
Eu estarei do lado de alguém que consiga e que queira fazer do CDS o que sempre quis ser: que é um partido que federa as várias tendências da direita democrática. Sou um conservador muito mais liberal do que a média do CDS. O João Almeida é a pessoa que conheço melhor, tenho uma história de vida política, sou amigo dele há 20 anos, acho que ele tem condições. O Filipe Lobo d'Ávila também. Tenho uma boa amizade com ele, mas não sei tanto o que ele pensa.

Sente-se mais próximo de João Almeida?
Não me sinto mais próximo, porque não sei o que ele vem defender para o CDS. O que estou a dizer é que eu, do que conheço de João Almeida e dos seus princípios, presumo que se esteja a preparar para fazer uma candidatura abrangente.

Seria sempre uma candidatura a prazo? De recuperação?
Não tendo falado com ele desde as eleições, mas ouvi-o já esta semana na RTP a dizer que que a direita só regressa ao poder se se entender. Há uma fragmentação complicada, porque vamos ter à direita e à esquerda um espectro político muito mais identitário, panfletário e proclamatório. Só vão para o governo se forem unidos – e aqui afasto por razões ideológicas o Chega – e essa solução de governo, tendo em conta que tem de articular todas estas forças, não será ultramontana, nem ultraliberal nem só social-democrata. Será aquilo que o CDS sempre quis que fosse a direita portuguesa: plural, abrangente, pragmática, moderada. Vamos andar a brincar a ver quem é mais puro, mas todas as pernas do tripé vão ter de se entender quando for para haver eleições.

Que discurso deveria ter o CDS?
O CDS não tem que se desviar ideologicamente. Não é pelo facto de o CDS ter 4,5% que tem de emular o Chega. Se o CDS achar que, para parar o Chega, tem de ser como o Chega, para mim chega. Não pode ser. Sinto-me bem num partido que seja uma grande tenda das tendências.

O Chega no Parlamento preocupa-o?
Sim. Acho que o Chega vai crescer.

Vai confrontar eleitoralmente o CDS?
O CDS e todos os outros. O problema é todo o regime que fica posto em causa, de facto, pelo advento deste partido.

Mas vai crescer?
Está a crescer onde a extrema-esquerda cresceu.

Não é uma falha do CDS? Por poder ter facilitado o caminho?
Percebo isso, mas o que é que o CDS havia de fazer? Passar a dizer mal dos ciganos? Propor a redução do Parlamento para cem deputados? Dizer que são todos uma cambada de ladrões?

Como é que vê o regresso de Manuel Monteiro ao CDS? 
Primeiro deixe-me explicar a saída de Manuel Monteiro. Sai depois de ter 30% de um congresso. Ele não foi escorraçado, tinha uma parte importante do CDS com ele. O dr. Manuel Monteiro saiu chateado com o CDS de tal forma que, para destruir o dr. Paulo Portas, foi fazer um partido contra o CDS, com um programa escrito por uma pessoa que escreveu agora o de André Ventura. Pode voltar à vontade, fico muito feliz com isso, que regresse a casa.

Não está resolvido isso então. 
Para mim está. Mas o dr. Manuel Monteiro não pode achar que não há um partido ainda ferido com o que tentou fazer ao CDS.

O Presidente da República tem mostrado preocupação com a direita democrática. Gostava de o ouvir mais sobre o CDS?
Não está muito no conceito de Presidente da República, ainda que seja seu eleitor e apoiante. Não sei se aquelas declarações dele sobre isso, dizendo que havia uma crise na direita, basicamente tal como está é para esquecer, não agravaram a ideia que passou para o eleitorado de que isto está, como dizem os anglófonos, hopeless, sem esperança. Acho que aí pisou o risco. Pisou, não, ultrapassou, claramente o que deve ser o papel do Presidente da República. 

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