Os cenários de Costa: da “geringonça” coxa à governação à vista

António Costa quis desdramatizar qualquer cenário, antes das negociações com os partidos. Sai do Rato com o bolso mais cheio de votos e colocou-se numa postura negocial em que fica confortável, qualquer que seja o resultado.

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António Costa não deverá levar muito tempo a formar Governo, resta saber em que condições daniel rocha

Depois da dramatização antes das eleições, avisando para cenários de instabilidade caso não tivesse a força necessária ou acordos que lhe garantissem a governação na legislatura, António Costa desinsuflou o balão para se colocar numa posição superior, confortável, antes das negociações com os parceiros. No plano de que mais gosta, o da negociação, o primeiro-ministro indigitado, quis reforçar a ideia de que qualquer que seja o resultado, para ele está tudo bem, seja a reedição da “geringonça” - “seria excelente” -; seja uma “geringonça” só com um parceiro - “bom também” -; ou governar sozinho, um cenário que toma cada vez mais força. 

A seguir à conversa com Marcelo Rebelo de Sousa, Costa apareceu confiante e a passar o ónus (e a culpa) para os parceiros: para o PCP, por se ter posto de fora da “geringonça”, e para o BE, deixando claro que é o partido de Catarina Martins que tem de se chegar ao PS, porque foram os socialistas que saíram reforçados e, por isso, é o programa eleitoral socialista a base do programa de Governo. Em último caso, fica a governar sozinho. Este cenário, de governar como António Guterres, foi posto com mais força em cima da mesa, mesmo que seja como factor de pressão para a posição de partida para as negociações. Costa quis acentuar que não é algo que o preocupe nesta altura: teria de haver uma coligação negativa para o derrubar e a esquerda ainda tem na memória do que aconteceu com o chumbo do PEC4, que levou à queda do último Governo de José Sócrates.

A geringonça 2.0, versão alargada

Tendo em conta as posições dos vários partidos, esta é uma impossibilidade técnica. O PCP não quer repetir “a cena do papel” e António Costa fez questão de culpar os comunistas por terem feito campanha “para que não houvesse uma maioria absoluta do PS”, pondo-se agora “fora da ‘geringonça'”. Na terça-feira, depois das reuniões com o Presidente da República, Costa certificou o óbito da “geringonça”, causado pelo PCP (e pelo PEV): “Ouvindo os partidos, não nos permite antecipar que se possa dar continuidade” à solução governativa.

A última tentativa de pressão por parte do socialista estava feita. Costa, que recusou interpretações sobre o que será a posição final do PCP, ainda esperava pela reunião do comité central do PCP, mas esta trouxe quase tirada a papel químico a reacção que Jerónimo de Sousa teve na noite eleitoral: não há papel assinado e a negociação com os comunistas será tendo em conta as propostas legislativas e orçamentais. 

Mas isso parece não ser algo que preocupe Costa, que na terça-feira até desvalorizou “a forma” com que se fazem acordos, compromissos, entendimentos, posições conjuntas... “A forma não é essencial”, disse. Ou seja, não precisa de papel para ter as mesmas garantias que há quatro anos, também não precisa de assinaturas, basta-lhe a certeza que o PCP não se colocará sempre do lado do contra nas matérias essenciais (que garantam a sobrevivência do Governo). Falta saber se isto serve para o PCP, que já disse que não haverá acordo com papel ou sem papel, o que poderia ser visto como um cheque em branco.

Geringonça coxa

Foi uma resposta tirada a ferros. Questionado por duas vezes se sem PCP admitia fazer um acordo só com o Bloco de Esquerda, António Costa primeiro contornou o assunto, depois fez questão de dar os vários cenários e disse que se a “geringonça” era “excelente”, um acordo “só com parte” dos parceiros “é bom também”.

Costa não venderá barato um acordo com os bloquistas. Antes de qualquer conversa exploratória, fez saber qual é a sua posição de partida: o PS saiu reforçado das eleições, os outros “consolidaram” as suas posições (o BE perdeu votos e manteve o mesmo número de deputados) e o programa de Governo terá como base o programa eleitoral socialista.

Será uma negociação com os pratos mais desequilibrados, desta vez, ao contrário de há quatro anos. Costa precisa menos do BE em termos aritméticos e essa é uma das armas na negociação. Se os bloquistas querem estar dentro de uma solução, têm de ceder em pontos-chave, em que não há acordo possível com o socialista. 

O caderno de encargos tem muitos pontos de convergência no geral mas, no detalhe, as divergências aparecem, como ficou evidente no final da legislatura passada, na Lei de Bases da Saúde, que terá de ser regulamentada, e nas alterações à lei laboral. Duas matérias que o BE quererá negociar.

Resta saber se Costa, desta vez, quererá chegar ao detalhe antes da formação do executivo - e antes de ter um programa de Governo aprovado no Parlamento. Com a necessidade de apresentar um Orçamento do Estado rapidamente, o primeiro-ministro não parece querer demorar muito tempo a entrar em funções e tem querido mostrar que primeiro que tudo tem a certeza que não há uma moção de rejeição. Poderão ficar os acordos para depois?

Governar sozinho, à vista

Este era, na noite eleitoral, o último cenário. Mas tem aos poucos conseguido mais terreno pelo menos nas declarações de António Costa, que desdramatizou este cenário, com muito foco, na noite de terça-feira depois da conversa com o Presidente da República. A solução de 2015 faz com que poucos se atrevam a dizer que as negociações são um bluff e que Costa quer, na verdade, ficar a governar em minoria relativa, com acordos pontuais, mas é isso que também tem dito, colocando como cenário possível se falharem todos os acordos que lhe garantam estabilidade para a legislatura.

Por falar em estabilidade, Costa acha que este modelo de governação, mesmo teoricamente sendo o que lhe dá menos garantias para quatro anos, não é o fim do mundo. Ele, que já foi ministro dos Assuntos Parlamentares de um Governo sem maioria absoluta, o de António Guterres, negociou à direita a aprovação dos orçamentos. Foram esses os exemplos que deu quando frisou que governar em minoria não é sinónimo de instabilidade. Isto porque, com as contas aos deputados, teria de haver uma união da esquerda à direita para fazer cair o Governo: “É preciso uma coligação negativa de todos contra o PS. É um factor de estabilidade importante para o dia-a-dia da acção governativa”, disse.

Nos argumentos para dizer que não haverá instabilidade se ficar a governar sozinho, lembrou ainda que “a maior ou menor instabilidade tem mais a ver com as políticas e com os resultados do que com a forma que se reveste as condições de formação do Governo”. Curiosamente, neste ponto, diz o mesmo que Jerónimo de Sousa, que afirma que serão as políticas do PS que lhe darão (ou não) estabilidade governativa.

A composição do novo Parlamento assegura-lhe maiorias com vários partidos, da direita à esquerda, e pode conseguir, em cada orçamento, em cada lei, maiorias distintas, tornando-se em partido charneira, ideia, aliás, que passou querer fazer no último congresso socialista. Sendo a esquerda “preferencial”, ainda na terça-feira Carlos César, presidente do partido, fez questão de deixar a porta aberta a conversas com PSD. Costa é exemplo disso, fê-lo enquanto ministro de Guterres.

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