Revoluções e apocalipses, do Joker à Guerra Fria

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O que se quer do cinema, para não perguntar da arte em geral? A julgar pelo ar do tempo, quer-se que nos sossegue, que nos mostre o bom caminho, que seja um espelho do bom comportamento, individual, colectivo, social, político. Espelho desses comportamentos, reflexo mais ou menos distanciado segundo o olhar do autor que o enforma, isso o cinema e os filmes sempre foram. Pequenas cápsulas de tempo, que conservam, umas vezes mais involuntariamente do que outras, mas sempre com um mínimo de precisão, o ar de uma época, os seus medos, fantasias e aspirações. Mas nada disso tem que ressoar como “positivo” ou “exemplar”. Vejam-se as reacções extremadas, e nalguns casos até alarmadas, perante o Joker de Todd Phillips, um óptimo e surpreendente filme (dados, por um lado, o currículo do realizador, e por outro, batido à exaustão, o universo dos super-heróis) que nos mostra um indivíduo psicologicamente desequilibrado e socialmente marginalizado, cujo progressivo delírio vingativo conduz a um comportamento de extrema violência e, fortuita e consequentemente, à sua transformação em herói inspirador de uma espécie de grande revolução popular. Já lemos – por essa internet fora – toda a espécie de advertências e admoestações: que o filme dá um retrato erróneo das doenças mentais (porque nem todos os que sofrem destas patologias dão em jokers), que o filme explica, e portanto “compreende” (e portanto, “aceita”), a psicologia extremada dos sociopatas que periodicamente (sobretudo nos EUA) descarregam as frustrações através duma carabina sobre quem estiver a jeito, que o filme é uma apologia do “populismo” ou uma legitimação dum levantamento dos desafortunados sobre os privilegiados (conforme quem assim admoeste seja mais de “esquerda” ou mais de “direita”), e que o filme, em suma, seria um incentivo à violência, aos tumultos, quando não mesmo aos massacres em massa.

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