Entrada de extrema-direita no Parlamento “deve alarmar partidos”

A eleição de um deputado de extrema-direita deverá alertar as restantes forças partidárias. Os partidos com assento parlamentar devem assumir a responsabilidade de não cair em populismos, dizem especialistas.

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André Ventura reuniu 1,30% dos votos sendo eleito pelo círculo de Lisboa LUSA/ANTONIO COTRIM

Até este domingo, Portugal era um dos quatro países da União Europeia (UE) sem representantes da extrema-direita no Parlamento. Com a eleição de André Ventura, pelo partido Chega, o cenário mudou. O que significa a chegada de um partido de extrema-direita a São Bento e como é que isso pode influenciar a Assembleia da República? Os portugueses não estão necessariamente menos moderados, mas a promessa de soluções rápidas para problemas antigos e a crescente exposição mediática do protagonista político em representação do partido foram ingredientes suficientes para eleger uma força política de extrema-direita, observam especialistas.

Mais do que nunca, alertam, os partidos devem estar conscientes de que existe uma parte da população que não se sente representada e que por isso apoia respostas mais radicais. Por outro lado, ainda que reduzido, o risco de contaminação das restantes forças partidárias com discursos e propostas populistas existe e deve ser seguido com atenção. Os avisos são de Susana Salgado, investigadora e professora de Comunicação Política do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e de Paula do Espírito Santo, investigadora e professora de Sociologia Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), que partilham com o PÚBLICO as primeiras leituras que fazem à entrada de um partido de extrema-direita no Parlamento.

Mas se os discursos populistas são uma preocupação, a eleição do Chega traz novos problemas. “Populismo e extrema-direita não são a mesma coisa”, nota Paula do Espírito Santo. Enquanto o populismo se baseia numa “mensagem básica e superficial, mas que promete uma resposta rápida”, mas “sem valores centrais que o definam”, a extrema-direita “está ancorada numa ideologia nazi e na identificação de elementos da sociedade que devem ser marginais”.

O Chega “canaliza o descontentamento junto de pessoas que são descrentes na politica e vêem aqui uma oportunidade e solução democrática milagrosa para problemas que o sistema democrático não consegue resolver rapidamente, como é o caso da Justiça”, aponta a investigadora do ISCSP.

Ambas as investigadoras acreditam que as condições já estavam reunidas, mas havia ineficácia dos protagonistas políticos até agora e notam que houve um caminho feito até domingo. “Este líder já era conhecido”, diz referindo-se ao facto de Ventura ser comentador de futebol, como benfiquista, na CMTV.

O distrito de Lisboa foi aquele onde o Chega obteve mais votos (20 mil). A estes, juntaram-se mais de 7500 do distrito de Setúbal. Mas em termos percentuais, foi nos distritos de Portalegre (2,74%) e Évora (2,22%) que o Chega conquistou mais eleitores (cerca de três mil pessoas).

A entrada de um partido de extrema-direita tem “um impacto negativo no sistema político”, que, não sendo imediato, sê-lo-á “a médio ou longo prazo, quer ao nível da moderação dos discursos, quer ao nível do compromisso e consenso” entre os partidos, avalia Susana Salgado. Para a investigadora, a entrada de um partido de extrema-direita em São Bento “pode polarizar debates na sociedade”. Para a investigadora e professora de Comunicação Política do ICS, esta entrada “habitualmente dá origem a uma fragmentação, quer do discurso político, quer do sistema partidário com propostas mais tradicionais”, o que se traduz num esvaziamento do centro.

Também por isso, a eleição de um partido de extrema-direita “deve alertar os restantes partidos para a necessidade de ouvir as pessoas”, argumenta a investigadora. “Tem de existir um despertar dos partidos com responsabilidade”. Os resultados das eleições deste domingo devem lembrar os partidos “que existem pessoas dispostas a votar em propostas radicais”, sublinha Susana Salgado.

A mesma interpretação tem Paula do Espírito Santo para quem os partidos do sistema devem reforçar a sua base de capacidade de gestão da “res publica”. Para a investigadora, “os partidos que defendem os direitos humanos e que têm uma matriz ocidental” devem assumir a responsabilidade de combater os fenómenos de extrema-direita com uma resposta “muito mais sustentada e reforçada, dando bons exemplos em termos políticos e de representação parlamentar”.

No entanto, Paula Espírito Santo é menos pessimista e acredita que, uma vez que a política do Chega é “desvinculada e pouco amadurecida”, o risco de contaminar os restantes partidos não é significativo, uma vez que “estão habituados a consensos e à luta política com argumentação e fundamentação mais sustentada”.

Susana Salgado lembra ainda que os “partidos populistas quando são eleitos tendem em atenuar em muito o seu discurso”. O que acontece por vários motivos e não é exclusivo dos partidos mais radicais. “Quando são eleitos com uma representação institucional têm de cumprir regras que já existem”, vinca a investigadora. “São anti-sistema, mas têm de se adaptar ao sistema. Têm de jogar o jogo com as regras que os outros também jogam”, continua.

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