Tópicos para a história do Serviço Nacional de Saúde

Hoje, os desafios são diferentes, se bem que constitua preocupação primordial continuar a robustecer o Serviço Nacional de Saúde.

São quatro os marcos que assinalam as principais etapas do processo de construção do Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Precisem-se.

O primeiro, logo em 1974, que pela sua importância histórica não poderá ser ignorado, é a Lei de 15 de Maio do Movimento das Forças Armadas que incumbe o Governo Provisório do “lançamento das bases para a criação de um serviço nacional de saúde ao qual tenham acesso todos os cidadãos”. E assim aconteceu. Ao longo dos seis governos provisórios, os assuntos da saúde foram conduzidos sucessivamente por António Galhordas, Carlos Cruz Oliveira, Artur Céu Coutinho e Albino Aroso na perspetiva da recuperação do tempo perdido.

Mas, em 1974, Portugal era bem diferente. Morriam 7740 crianças antes de terem completado o primeiro ano de vida, o que correspondia à taxa de mortalidade infantil de 45 por mil nascimentos vivos (14 vezes superior à actual) e a esperança de viver ao nascimento era 13 anos inferior à de hoje. Nesse ano, 18% dos portugueses que morreram não tinham chegado aos 50 anos de idade, facto que, por si só, traduz a prematuridade do final da vida devido a causas evitáveis que não eram evitadas.

O segundo marco é, naturalmente, representado pela aprovação da Constituição da República de 1976. O seu artigo 64 estipula que o Serviço Nacional de Saúde deve assegurar acesso universal e ser tendencialmente gratuito.

Como terceira fase, em 1978, o mandato do II Governo Constitucional de Mário Soares entre 23 de janeiro e 29 de agosto, que contou com António Arnaut e Mário Mendes no Ministério da Saúde, destacou-se pela concepção e implementação de medidas que iriam antecipar a aprovação da Lei que definiria o Serviço Nacional de Saúde. Foram meses de construção experimental de um direito novo e inovador que todos mobilizou. O célebre Despacho de 20 de Julho publicado pouco depois no Diário da República foi inspirador ao antecipar o acesso aos Serviços Médico Sociais das Caixas de Previdência, independentemente da capacidade contributiva de cada cidadã ou cidadão, incluindo comparticipação de medicamentos.

Nesse tempo, políticos e peritos, entre médicos, enfermeiros e administradores, envolveram-se conjuntamente no processo de mudança. Lá estavam, entre muitos outros, médicos como Orlando Leitão, António Cerveira, Manuel Souto Teixeira, António Cardoso Ferreira, Constantino Sakellarides, José Manuel Jara, Fernanda Navarro, Manuela Santos Pardal, Fernando Vasco e Lopes Dias; enfermeiras como Ione Filipe Pinto, Maria Alcina Fernandes, Rosário Horta, Marta Lima Bastos e Marília Freitas, bem como administradores, nomeadamente Coriolano Ferreira, Leonel Barreira e António Correia de Campos.

Finalmente, em 1979, António Arnaut, então deputado e vice-presidente da Assembleia da República, substitui, simbolicamente, Teófilo Carvalho dos Santos para presidir à sessão parlamentar de 28 de junho, onde seria aprovada a Lei que institui o Serviço Nacional de Saúde (Lei 56/79 de 15 de Setembro), que passou a assegurar o financiamento das prestações de cuidados a partir do Orçamento do Estado de forma a serem gratuitos no momento da prestação. Processo que, pouco depois, iria estar na origem dos reconhecidos grandes avanços de Portugal alcançados em Saúde Pública, em comparação internacional, mas que, comprovadamente, não foram acompanhados pelo desenvolvimento da Economia.

Hoje, os desafios são diferentes, se bem que constitua preocupação primordial continuar a robustecer o Serviço Nacional de Saúde, sobretudo na dupla componente do seu financiamento e da garantia de proporcionar igualdade de oportunidade no acesso a todas as prestações dos cuidados. Afinal, é a igualdade de oportunidade que constitui a essência da Democracia.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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