Costa quer ser o equilibrista que escolhe em quem se apoia

Costa luta para convencer o eleitorado que tem de ter o peso certo para ser o fiel da balança de vários pratos de pesos desequilibrados, mas não sabe como os irá colocar na balança.

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Francisco Romão Pereira

Desta vez não houve prognósticos antes do fim do jogo. Mas isso não quer dizer que não haja tácticas de jogo preparadas para quando o eleitorado der o apito inicial para as negociações para a formação de um novo Governo. António Costa refreou nos ataques aos parceiros de esquerda, sobretudo ao Bloco, foi sempre alguém a fazê-lo por ele, para que não se queimem pontes. E chegou a ver sinais que nem tudo se perdeu, quando, a meio da semana, a “geringonça” funcionou de novo para evitar um debate no Parlamento sobre o caso de Tancos. “A geringonça funcionou sempre”, chegou a dizer nas poucas vezes em que se referiu ao equilíbrio em permanente tensão com que governou nesta última legislatura.

À medida que as sondagens iam mostrando o PS cada vez mais longe de uma maioria absoluta, mais crescia no partido a ideia de que não a ia ter, mesmo que digam que nunca foi o cenário de partida. O “papão da maioria” assusta e afasta os eleitores indecisos para outras paragens e desmobiliza algum eleitorado que seria dado como certo à partida para o PS.

No partido foi crescendo a ideia de que muito do voto estava decidido antes mesmo da campanha, mas havia dois movimentos a contrariar: que a faixa de indecisos à esquerda tivesse a tentação de votar no BE, sobretudo, e que os de centro se agrupassem em Rui Rio, como as sondagens começaram a mostrar; e por fim a sensação de vitória garantida, que poderia fazer desinteressar os socialistas menos activos, engrossando a abstenção.

No meio disto, depois do terramoto Tancos e de um “ajustamento de expectativas” nas sondagens mais recentes, Costa quis aparecer como o conciliador de vontades que se espelham nas facções, mais ou menos visíveis, do seu partido, como no congresso do último ano em que apareceu como a mediana entre as posições de Pedro Nuno Santos e Augusto Santos Silva.

Os ferimentos infligidos ao BE - ainda que não com a gravidade de outros tempos - surgiram por outras vozes que se juntavam à campanha, incluindo as mais habituais, como Augusto Santos Silva, e as mais insuspeitas, como a de Manuel Alegre, que quis dar um “chega para lá” na moral do Bloco que o chegou a apoiar na candidatura para a Presidência da República.

Houve também ausências nas habituais sessões de pancadaria política que são de notar. Carlos César, que Costa chegou uma vez a classificar como o intérprete autorizado do seu pensamento, foi à campanha “malhar” na direita. E seria só assim a partir daí. 

Nesta segunda semana, chegaram as vozes do concílio de esquerda, ou, melhor dizendo, uma voz de concilio e duas de ataque à direita. De uma só assentada, Vieira da Silva - que sai e não é dos ministros mais amados pelo BE e PCP - e Pedro Nuno Santos - que recebeu um mimo de sabor esquisito do secretário-geral do PS, que lhe chamou “fresquinho da costa” - viraram o bico ao prego na campanha e centraram os ataques no PSD, puxando por uma bipolarização em tempos de modorra de campanha, que dá sempre jeito a quem quer dramatizar o apelo ao voto.

Nesta tentativa, entraria também o ministro-sempre-elogiado em campanha, Mário Centeno, mostrando a estranheza que é um ministro das Finanças ser activo eleitoral num país que saiu da bancarrota para se arvorar em arauto das contas certas em quatro anos. Centeno apareceu por três vezes e numa delas roubaria o palco a António Costa, revelando mais uma idiossincrasia desta campanha socialista, em que o candidato se apaga para deixar outros brilharem por ele e, não menos importante, e propositadamente, passarem a mensagem que quer passar, porque sendo ele, não o consegue. Seja nas políticas públicas, seja no diálogo social, seja nos compromissos políticos e institucionais, incluindo com o Presidente da República, o PS é o centro, é “o equilíbrio”, a “moderação”, o “diálogo” e “os consensos”. “Sem o PS” não seria possível a quadratura do círculo entre políticas de devolução de rendimentos “e as contas certas”, foi dizendo.

“Equilíbrio”, a par de “estabilidade” seriam das palavras que António Costa mais repetiu nestes dias finais. Faz lembrar a ideia de “confiança” com que se batia há quatro anos. Foi daí que foi retirar algumas lições para esta campanha, como o pedido de maioria absoluta quando acabaria por perder as eleições. Para mostrar que agora o PS deu a volta ao texto e as pessoas já sabem que podem confiar no que promete, foi resgatar o caso da dona Fernanda, que lhe provocaria a epifania, nesse ano de 2015, de que não iria ganhar as eleições, porque ninguém acreditava que, fazendo o que prometia, não levaria de novo o país para uma crise.

Mas as eleições são mais do que crenças em promessas e Costa sabe disso e por isso reforçou nesta segunda semana, sempre que apareceu, os exemplos de “obra feita” com Costa, o primeiro-ministro. Foi aí que o cargo se sobrepôs ao candidato que o usou como argumento para desaparecer de cena em vários dias. Chegou mesmo a dizer que não podia “tirar férias” e que era candidato “nos tempos livres”. Nem Sócrates em 2011, nem Passos Coelho em 2015 tiveram agendas tão leves e, no caso de Sócrates, não se pode dizer que o país não estivesse a precisar de um primeiro-ministro a tempo inteiro naquelas duas semanas.

Ao passado não quer voltar, mesmo que esse tenha decidido espreitar nos dias eleitorais. A ideia era dar sempre um passo em frente, contornando as polémicas e acenando com os “riscos” quer seria “voltar para trás”.

No PS diz-se que Costa sabe que à esquerda a “geringonça” é amada e por isso que deve fazer por mantê-la, mesmo que haja tentações de governar à vista, se as negociações não chegarem a bom porto. E este é o busílis de toda a campanha: Costa pede um “reforço” para que seja clara a liderança do próximo Governo, mesmo que tenha apoio, que seja de novo um Governo PS. Se no PS se quer a repetição do cenário de 2015 com mais uns pózinhos de poder, espera-se que os resultados não estraguem a correlação de forças entre os dois principais parceiros, BE e PCP, e que o Bloco decida se aceita uma solução diferente da dos comunistas, que já disseram que não queriam acordo escrito.

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