Com mais opções vegetarianas nas cantinas, há menos interessados na carne

Duplicar a oferta de opções sem carne, peixe ou qualquer ingrediente de origem animal diminuiu o consumo de carne em três cantinas de Cambridge. Sem afectar as vendas — e sem afastar os “carnívoros”. “Parece óbvio, mas nem sempre as soluções que parecem óbvias resultam. Esta sim”, diz a autora do estudo.

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Fred Lewsey/Universidade de Cambridge)

Emma Garnett tem vindo a estudar estratégias de intervenção para diminuir o impacto ambiental nas dietas alimentares. A doutoranda inglesa acaba de publicar um estudo onde mostra que duplicar as opções de refeições à base de plantas, passando de uma em quatro para metade da oferta total, levou a uma diminuição da escolha de refeições ricas em carne em 20%, em três cantinas das faculdades de Cambridge, sem afectar o volume geral de vendas. “Uma das coisas mais encorajadoras dos nossos resultados é a grande mudança no que as pessoas escolhem apenas ao expandir as opções vegetarianas”, analisa, em entrevista ao P3. “Soluções que parecem óbvias nem sempre funcionam, mas esta parece que sim.”

Antes do doutoramento na universidade inglesa, Emma Garnett escolheu Coimbra para fazer os primeiros três meses do Mestrado Europeu em Ecologia Aplicada, ao abrigo de um Erasmus Mundus que a levou a cinco países diferentes, em 2012. Quando lhe contamos a decisão do reitor da Universidade de Coimbra de eliminar a carne de vaca das cantinas das faculdades, a partir de Janeiro de 2020, a doutoranda regozija. “As universidades estão cada vez mais na linha da frente no que toca a providenciar opções baseadas em plantas, que são deliciosas e acessíveis, facilitando a escolha de uma dieta mais sustentável”, diz.

A Universidade de Cambridge também parou de servir carne de vaca e borrego e anunciou, no início de Setembro, uma redução de 33% das emissões de carbono por quilograma de comida comprada e um aumento nos lucros. Mas a investigadora ressalva: “No nosso estudo não banimos nada. É mais sobre expandir a escolha de comer refeições baseadas em plantas. Não é ‘segundas-feiras sem carne’, nem impostos sobre a carne, normalmente pouco populares politicamente. Trata-se de dar às pessoas mais opções sustentáveis.”

Os investigadores dos departamentos de Zoologia, Geografia e Saúde Pública da Universidade de Cambridge analisaram mais de 94 mil refeições de estudantes em três cantinas de três faculdades, ao longo de 2017. Nos três casos, “aumentar a proporção de escolhas vegetarianas aumentou as vendas de refeições vegetarianas”, especialmente num grupo demográfico “bastante interessante”: pessoas que tinham “consistentemente escolhido peixe ou carne antes da adição de uma segunda opção vegetariana”. A conservacionista do departamento de Zoologia de Cambridge acredita: isto prova que as escolhas das refeições não são “fixas” nem “aleatórias”, mas “determinadas parcialmente pelas escolhas facultadas”.

“Mostrámos que aumentar a disponibilidade vegetariana pode reduzir substancialmente o consumo de carne, mesmo para quem anteriormente tenha baixos níveis de consumo de refeições vegetarianas — o grupo demográfico mais importante para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do sistema alimentar”, lê-se no estudo publicado na revista académica Proceedings of the National Academy of Sciences.​

Duas das faculdades participaram num estudo puramente observacional, em que foram analisadas e comparadas as refeições compradas com cartões da universidade aos almoços e jantares, que variavam entre dias sem opções vegetarianas e outros em que 75% da oferta excluía pratos com qualquer ingrediente de origem animal. Através de modelos estatísticos, os investigadores conseguiram perceber que ao tornar metade das opções vegetarianas, a venda destas refeições aumentou em 62% na primeira faculdade e 79% na segunda. Escolher um almoço sem carne ou peixe não torna mais apetecível junto dos clientes um jantar rico em carne, perceberam também.

Já a empresa que serve o terceiro refeitório — que, tal como os outros, é independente dos da Universidade — concordou com um estudo experimental. Durante o Outono, a oferta vegetariana duplicava de duas em duas semanas. O resultado: “A proporção de vendas vegetarianas aumentava em 41%, quase oito pontos percentuais”. “Aumentar as escolhas vegetarianas aumentou consistentemente as vendas destas refeições de forma semelhante nas várias faculdades (61.8%, 78.8% e 40.8%), indicando um efeito forte e potencialmente generalizável”, embora os investigadores considerem que “são agora precisos estudos noutros tipos de refeitórios e cafetarias que servem outras populações”. Em Portugal, desde 2017 que é obrigatório haver um prato vegetariano na ementa de todas as cantinas públicas e refeitórios do Estado. 

Em estudos anteriores, nem colocar os pratos de carne mais abaixo nas listas, nem mudar a forma como os pratos são descritos ou apresentados em menus (retirar a palavra “vegetariano”, por exemplo) se mostrou eficaz na redução do consumo de carne. “Claro que outras estratégias podem funcionar. A educação é muito importante para criar consciência, mas se há apenas lasanha vegetariana e tu não gostas, será mais provável que escolhas uma opção de carne”, exemplifica a investigadora. “Não estamos a dizer que a educação não importa, mas há algumas mudanças bastante simples nas cantinas que parecem ter um grande efeito com pouco esforço.”

Notícia actualizada a 2 de Outubro: As vendas de refeições ricas em carne caíram 20%, e não entre 40-80%, como antes se lia e como dizia o comunicado enviado ao P3, citado apenas neste caso. No restante artigo os dados foram citados do estudo científico publicado na revista académica Proceedings of the National Academy of Sciences.

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