Uma década para ordenar e valorizar o território

Como será, doravante, o padrão de ocupação do nosso modesto retângulo territorial, num horizonte temporal onde a iminência e a contingência dos grandes riscos é por demais evidente?

Na próxima década, viveremos em regime de “topoligamia territorial”, ou seja, de mobilidade contingente e permanente. Mobilidade de pessoas e capitais, mas, também, de espécies animais e vegetais. E na medida em que há uma grande mobilidade há, também, uma oportunidade para os territórios mais desfavorecidos. Por causa dessa multiterritorialidade nós perguntamos como será, doravante, o padrão de ocupação do nosso modesto retângulo territorial, por maioria de razão num horizonte temporal onde a iminência e a contingência dos grandes riscos é por demais evidente. E neste contexto, como fica a estratégia de valorização do interior, agora que se aproxima mais um período de programação plurianual de fundos europeus. Vejamos um pouco da prospetiva do problema sob a forma de grandes linhas de atuação.

As estratégias de valorização do território

Na próxima década, aquela que coincide com o próximo período de programação dos fundos europeus, são possíveis quatro estratégias de valorização do território que correspondem, também, a quatro grandes cenários de desenvolvimento do país. Vejamos, então, esses cenários:

1.º cenário: a “grande estratégia”, as áreas metropolitanas do litoral e os arcos regionais do interior.

A área metropolitana do Grande Porto, a área metropolitana do Grande Centro Litoral (Leiria-Coimbra-Aveiro), a área metropolitana da Grande Lisboa e a área metropolitana do Algarve fazem sentido no mundo transoceânico do Pacífico e do Atlântico como portas de entrada de uma próxima vaga de globalização, não obstante a crise dos tratados de comércio e investimento, e isto para lá do aprofundamento de relações com a CPLP e da “promessa de mar” que se anuncia com o alargamento da nossa plataforma marítima. Nos espaços de influência e projeção destas áreas metropolitanas ficam os arcos regionais do interior. O arco regional do Noroeste que se estende até Vila Real, capital do Alto Douro Vinhateiro, agora mais facilitado com o Túnel do Marão. O arco regional do centro, que se estende até Viseu, o arco regional do Vale do Tejo e Além-Tejo, que se estende até Santarém e Évora, e o arco regional da cidade-região do Algarve, com projeção pelo interior da Euro-região AAA (Algarve-Alentejo-Andaluzia). A estruturação destas áreas de influência e sua conexão será a grande tarefa das próximas gerações, pois será nesta conexão que o país mais crescerá nas próximas décadas.

2.º cenário: a “estratégia intermédia”, a formação das capitais regionais, o seu anel urbano e respetivas aglomerações.

Trata-se, pelo menos numa primeira fase, de uma estratégia mais político-administrativa que acompanha o movimento de descentralização administrativa e a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais e, também, a constituição e desenvolvimento dos níveis subnacionais de administração, as comunidades intermunicipais e as regiões administrativas. O cerne da estratégia reside, justamente, na formação e estruturação das capitais regionais das cinco regiões-plano, a saber, Vila Real, Viseu, Santarém (Vale do Tejo) e Évora, já que o Porto, Coimbra e Lisboa desempenhariam funções metropolitanas no litoral. Faro seria a única capital metropolitana e regional.

3.º cenário: a “pequena estratégia”, cidades-região inteligentes e smartificação do território.

Esta é a estratégia da transformação digital das cidades, das suas redes ou comunidades intermunicipais e da smartificação do território envolvente, por maioria de razão se falhar a conexão entre as áreas metropolitanas e os arcos regionais. A cultura digital criará uma nova sociedade em rede que terá muito pouco a ver com as fronteiras político-administrativas existentes. Os territórios imateriais e intangíveis serão absolutamente surpreendentes e podem, mesmo, inspirar uma nova versão do Polis XXI e, assim, vertebrar o Grande País do Interior, o “Interior 5G”.

Neste contexto, e ao mesmo tempo, a projeção da fachada peninsular no território transfronteiriço será realizada através de vários instrumentos de cooperação: as euro-cidades, as euro-regiões, os agrupamentos europeus de cooperação territorial (AECT), os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) e os acordos de cooperação empresarial.

4.º cenário: a estratégia “mista à portuguesa”

A última estratégia correrá muito ao sabor das circunstâncias e da contingência portuguesa, tanto nos arranjos políticos como, sobretudo, nos arranjos económicos, tudo dependendo da disponibilidade de capitais públicos e privados para o “programa nacional de investimentos”; tudo pode acontecer, avançam as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ficam em compasso de espera os arcos regionais do interior, as cidades inteligentes fazem o seu caminho, mas os anéis urbanos e as economias de aglomeração destes anéis são relegados para plano secundário. A estratégia mista à portuguesa corre melancolicamente ao sabor das circunstâncias e nenhuma alteração substancial se produz na estruturação do território.

 As estratégias de valorização do interior

No contexto acabado de descrever, podemos descortinar e deduzir duas estratégias de valorização do interior que serão sempre complementares, embora dependam muito dos meios disponíveis para o efeito.

  1. A “Grande Estratégia” de Valorização do Interior

A “Grande Estratégia” depende em linha direta dos efeitos em cascata produzidos pela conexão entre os arcos metropolitanos do litoral e os arcos regionais do interior e da nossa capacidade de estruturar duradouramente as áreas de influência desses arcos; por outro lado, depende da eficácia das redes colaborativas de cidades inteligentes e das cidades-região-plano e da sua articulação com a fachada peninsular que é eleita como um novo lugar central da integração política dos dois países ibéricos.

  1. A “Pequena Estratégia” de Valorização do Interior

A “Pequena Estratégia” de valorização do interior diz respeito ao Portugal melancólico, municipalista e intermunicipalista. Será essencialmente uma estratégia de mitigação e remediação de danos de pendor municipalista e assistencialista, em redor de uma constelação de entidades que germinarão no contexto das comunidades intermunicipais e da regionalização administrativa. Serão atividades meritórias e necessárias, de que dependem muitas instituições de solidariedade social, fundações e empresas municipais e associações de desenvolvimento local, mas de reduzido efeito multiplicador e aglomerativo, se não forem acompanhadas de perto pela intensidade-rede dos projetos da “Grande Estratégia”.

Notas Finais

No próximo período de programação teremos não apenas menos fundos, devido à saída do Reino Unido, mas, também, alterações fundamentais na coesão e reforma dos fundos. Haverá menos fundos de coesão, um novo instrumento para a transição energética e digital e um novo instrumento para a convergência e a competitividade no espaço da moeda única. Neste contexto, as afetações de fundos serão regidas pelas “transições e emergências”, não parecendo existir grande margem de manobra para as reformas estruturais e as “grandes estratégias” de valorização do interior. É, porventura, chegado o tempo da transformação digital, da infraestruturação e cobertura digitais, das cidades-região inteligentes e das diferentes estratégias de smartificação dos territórios envolventes. Voltaremos ao assunto.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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