“Afinal o povo ainda pode alguma coisa”. Polémica obra das Fontainhas já está a ser alterada

Promotor de empreitada na Rua da Corticeira começou esta quinta-feira a demolir parte do telhado que ultrapassava o muro do Passeio das Fontainhas. Luta contra a obra - aprovada pela autarquia e pela DGCP - começou com os moradores

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Obra ultrapassava o limite do muro do Passeio das Fontainhas, algo nunca visto desde a sua construção, no século XVIII

Quando esta manhã abriu as janelas de casa e espreitou para baixo, Elsa Teixeira viu a luta dos últimos meses ganhar sentido. A polémica obra das Fontainhas, cujo telhado ultrapassava a altura do muro do passeio - algo nunca visto desde a sua construção, no século XVIII -, começou a ser alterada para ficar abaixo da cota do muro. A imobiliária detentora da casa na Rua da Corticeira havia chegado a acordo com a Câmara do Porto, como o PÚBLICO avançou em Agosto, aceitando alterar a arquitectura do edifício apesar de ter uma licença camarária e um parecer positivo da Direcção-Geral do Património Cultural (DGCP). A batalha iniciada pelos moradores está ganha: a empreitada já arrancou.

Enquanto viam a casa crescer e as vistas para o Douro diminuir, a inquietação tomou conta dos moradores. Depois veio a revolta. Pouco a pouco, a mobilização. Despertaram o interesse da comunicação social, de alguns partidos políticos (só o PSD não os contactou), de gente da cidade que assinou uma petição pública pela defesa do miradouro das Fontainhas. “Conseguimos assim chegar ao dr. Rui Moreira”, recorda Elsa Teixeira, uma das moradoras envolvidas neste caso. “É uma grande alegria. Tenho o sentimento de que estamos todos de parabéns.”

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Enquanto viam a casa crescer e as vistas para o Douro diminuir, a inquietação tomou conta dos moradores.

Ao ver a estrutura ser derrubada, um vizinho resumia num comentário a grande vitória ali explanada. Um sentimento de redenção impagável: “Afinal o povo ainda pode alguma coisa. Conseguimos”, disse a Elsa Teixeira. Esta batalha, conta a moradora, revelou-se “muito importante para a comunidade” e fez ceder um “desânimo apreendido” que dominava a narrativa inicial: “Muitos diziam que se calhar não valia a pena e não ia dar em nada.”

Ainda em Julho, o PÚBLICO noticiou aquilo que há semanas se havia feito tema diário nas Fontainhas. Os moradores já estavam organizados e tinham pedido o embargo na obra. Os fiscais da câmara foram à Rua da Corticeira, mas não viram qualquer problema: “O projecto foi licenciado e, tendo sido feita uma visita ao local, constatou-se não existirem indícios de desconformidades com o projecto aprovado”, disse ao PÚBLICO o gabinete de comunicação da autarquia.

A obra tinha, efectivamente, as autorizações necessárias para avançar. Ainda que não as tenha conseguido à primeira. Tanto na Câmara do Porto como na DGPC (a quem era obrigatório pedir um parecer por a obra estar integrada na zona histórica do Porto, classificada pela UNESCO) houve dúvidas e o processo viajou entre técnicos: uns, hesitantes, recusaram aprová-lo, outros acabaram por assinar a decisão final.

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A novela teve uma reviravolta dias depois de o caso ganhar visibilidade

A novela teve uma reviravolta dias depois de o caso ganhar visibilidade. Numa reunião de câmara, Rui Moreira mudava o discurso. O mal estava feito e era tempo de “correr atrás do prejuízo”. Pedro Baganha, vereador do urbanismo, dizia ser impossível embargar a obra ou tomar posse administrativa. A esperança? Contar com a bonomia do promotor do edifício e pedir-lhe para alterarem o projecto. 

Sem esquecer um recado para os serviços camarários e a DGPC - “Quando aparecem projectos em locais tão sensíveis como este, tentem visitá-los. Uma coisa é olhar para um alçado ou desenho, outra é chegar lá e ver” -, Rui Moreira assumiu o erro. “Pedimos desculpa à população em nome de todos os serviços”, disse, enaltecendo a “participação cívica” dos moradores.

Neste caso, essa participação significou também o invento de laços mais fortes entre a comunidade: “Passamos a conhecer-nos melhor uns aos outros”, aponta Elsa Teixeira. “Foi óptimo não se criar o precedente das habitações subirem para além do limite do muro, porque era um precedente de pressão sob o património que podia ser devastador.” Neste Porto cartão-postal, ficam ainda por resolver outros problemas, como o do “parque de estacionamento selvagem” criado na Alameda das Fontainhas, “um espaço público que podia ser ponto de encontro e onde as crianças poderiam brincar”. E ainda “a questão do turismo e da pressão imobiliária”. Elsa Teixeira testemunha e ouve relatos da saída de “dezenas e dezenas de pessoas”. E teme ser uma tendência sem travão. Para esse problema, lamenta, não chega a acção popular: “Tem de haver vontade política, com medidas do executivo e do Governo.”

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