Fiel a si próprio, Google recusa-se a pagar à imprensa

Na sequência da directiva de direitos de autor, a empresa vai mudar a forma como mostra notícias em França.

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Michael Dalder/Reuters

O Google anunciou que, para não ter de pagar à imprensa em França, vai mudar a forma como apresenta notícias naquele país, que foi o primeiro a transpor para a respectiva legislação nacional a directiva europeia de direitos de autor aprovada este ano.

Um dos artigos daquela directiva foi ao encontro de uma ambição antiga do sector da imprensa, que há anos reivindica pagamentos pelos conteúdos agregados pelo Google e que passou a ter cobertura legal para cobrar à multinacional americana. Mas, com esta decisão, o Google mantém a postura que sempre teve sobre este assunto e deu a entender que pretende seguir nos outros países a opção que tomou agora em França, no que poderá vir a ser um balde de água fria para as ambições do sector da comunicação social.

A empresa explicou nesta quarta-feira que vai passar a mostrar menos elementos de cada notícia nos seus resultados do motor de busca e noutros serviços em França, de forma a cumprir a lei naquele país. Actualmente, o Google mostra o título das notícias (que é um link para o conteúdo original), por vezes acompanhado por um excerto de texto e uma imagem. O excerto e a imagem passarão a ser suprimidos quando a lei entrar em vigor em França, a não ser nos casos em que os sites de media indiquem explicitamente que os querem mostrar.

O Google optou pela estratégia de pôr nas mãos dos sites a tarefa de definir que informação é mostrada. Hoje em dia, qualquer site já pode dar algumas indicações ao Google sobre o conteúdo que deve ser exibido, o que inclui a opção de não mostrar qualquer excerto ou até de ser inteiramente ignorado pelo motor de busca. Mas a empresa introduziu agora novas configurações, que permitem aos sites definir o tamanho dos excertos de texto, o tamanho máximo das imagens e a duração da pré-visualização de vídeos (uma funcionalidade que permite aos utilizadores verem alguns segundos antes de decidir se querem seguir para o vídeo integral).

Em dois textos diferentes publicados nesta quarta-feira – um no blogue francês do Google e outro no blogue internacional – o vice-presidente com o pelouro das notícias afirmou que o Google não tem intenção de pagar às empresas de media.

“As pessoas confiam no Google para as ajudar a encontrar informação útil e de confiança, de um vasto leque de fontes. Para manter essa confiança, os resultados da pesquisa têm de ser determinados pela relevância, não por relações comerciais”, argumentou Richard Gingras. “É por isso que não aceitamos pagamentos de ninguém para ser incluído nos resultados das pesquisas. Nós vendemos anúncios, não resultados de pesquisas, e cada anúncio no Google está assinalado claramente. Também é por isso que não pagamos a editores de imprensa quando as pessoas clicam nos seus links num resultado de pesquisa.”

Gingras, que este mês anunciou que o motor de busca vai passar a destacar jornalismo original e de qualidade, também voltou ao argumento antigo do Google de que está a fornecer aos sites um serviço gratuito ao dar-lhes visibilidade e tráfego, que estes depois poderão rentabilizar. E recordou ainda iniciativas da empresa para apoiar os media.

Um braço-de-ferro antigo

Este não é o desfecho pretendido pelo sector da imprensa na Europa, um dos que fez pressão para que a directiva fosse aprovada – mas é uma postura que está alinhada com aquilo que o Google fez no passado.

Em 2014, quando a Alemanha aprovou uma lei que permitia aos media cobrarem pela agregação de conteúdos, o Google tornou a presença de sites no Google News dependente de uma adesão voluntária. Ao fim de duas semanas com o tráfego em queda, a generalidade dos sites optou por regressar ao agregador sem exigir pagamentos. No mesmo ano, uma lei em Espanha determinou que os media tinham de cobrar pelos conteúdos mesmo que não o quisessem fazer. A empresa optou por fechar o Google News.

Porém, nem sempre o braço-de-ferro pendeu inteiramente para o lado do Google. Em França, por exemplo, a empresa viu-se levada a criar, em 2013, um fundo de 60 milhões de euros para apoiar a imprensa, num acordo com que pretendia evitar legislação mais penalizadora. Em 2015, o Google lançou um fundo de 150 milhões de euros, gerido por profissionais dos media e destinado a projectos editoriais na Europa (o PÚBLICO tem projectos financiados por este fundo).

Já este ano, numa derrota para as grandes empresas da Internet, foi aprovada a directiva europeia que reformula as regras para os direitos de autor na Internet, um documento vasto que traz muitas novas regras para além da questão da imprensa. A directiva está agora a ser transposta para as legislações nacionais, um processo que pode demorar até dois anos.

A aprovação foi recebida com júbilo pelos representantes da imprensa graças ao que ficou conhecido como o Artigo 11 (no texto final, passou a ser o Artigo 15). O artigo veio estender aos conteúdos jornalísticos protecções de direitos de autor que já existiam para outro tipo de conteúdos, como a música – mas especifica que a protecção não se aplica “à utilização de hiperligações” nem de “palavras isoladas ou de excertos muito curtos de publicações de imprensa”.

Em Portugal, a directiva ainda não foi transposta.

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