Como a extinção de grandes mamíferos muda os ecossistemas

Extinção de grandes mamíferos pode levar a uma mudança na interacção entre as espécies sobreviventes, mais pequenas, que se vão dispersar pelo território.

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Os bisontes estão entre os grandes mamíferos actuais da América do Norte S. Kathleen Lyons/Universidade do Nebrasca

Já lá vão os tempos em que mamutes habitavam a América do Norte: há cerca de 12 mil anos estes (e outros) grandes mamíferos começaram a extinguir-se por lá. Agora, num artigo publicado na última edição da revista Science, uma equipa internacional de cientistas – que inclui um investigador da Universidade do Algarve – concluiu que as espécies de mamíferos sobreviventes dessas extinções mudaram a sua forma de interacção umas com as outras e dispersaram-se pelo território. Como as extinções continuam hoje em dia, esta é uma forma de prever as profundas mudanças que os desaparecimentos dos grandes mamíferos podem causar no planeta.

A ameaça é actual: os grandes mamíferos continuam a enfrentar risco de extinção. “As actividades humanas colocam os mamíferos de grande dimensão num elevado risco de extinção, e as perdas podem ter graves repercussões nos ecossistemas”, alerta-se no artigo científico. Para perceber quais as consequências das extinções actuais, a equipa estudou o resultado dos desaparecimentos de grandes mamíferos entre o final do Pleistocénico (há cerca de 12 mil anos) e o Holocénico (época iniciada há 12 mil anos).

Em busca pelos desaparecimentos do final do Pleistocénico, a equipa analisou registos de 93 espécies de mamíferos em centenas de sítios paleontológicos da América do Norte. Estes locais pertenciam a três intervalos temporais: entre há 21 mil e 11.700 anos (quando as extinções começaram); de há 11.700 a 2000 anos; e há 2000 anos até ao presente. Assim, verificou-se quais as espécies que coabitavam nos mesmos sítios antes e depois das extinções do final do Pleistocénico, bem como se viviam mais separadas ou mais agregadas umas das outras no continente. 

Resultado: as espécies de mamíferos sobreviventes coabitaram umas com as outras de forma mais frequente durante o Pleistocénico (entre há 2,5 milhões e 11,7 mil anos) – antes das extinções – do que actualmente.

“O grande resultado deste estudo é que, na última vez que um grupo de mamíferos de grande dimensão se extinguiu, os sobreviventes mudaram a forma como interagiam uns com os outros”, resume ao PÚBLICO Anikó Tóth, cientista na Universidade de Macquaire (na Austrália) e primeira autora do estudo, que teve a participação do antropólogo René Bobe, do Centro Interdisciplinar em Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano da Universidade do Algarve. “Isto teve impacto na forma como partilharam o espaço no continente.”

Após a extinção de grandes mamíferos, como o mamute e o mastodonte na América do Norte, as espécies sobreviventes – que eram mais pequenas – distanciaram-se umas das outras. Desta forma, terão reduzido a frequência com que interagiam com os seus predadores, presas e competidores territoriais. 

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Quando muitos dos grandes mamíferos se extinguiram na América do Norte no final do Pleistocénico, as espécies sobreviventes (mais pequenas) dispersaram-se e aumentaram a sua distribuição pelo território Lt. Emöke M. Tóth

Se antes das extinções os grandes mamíferos também eram peças-chave na modelação das comunidades ecológicas à escala continental, depois disso as peças cruciais passaram a ser factores abióticos como o clima.

Vejamos o exemplo dos mamutes, que eram “engenheiros do ecossistema”, como os classifica Anikó Tóth. Juntamente com outros herbívoros, mantinham grandes faixas de estepes – conhecidas como “estepes dos mamutes” – ao comer rebentos ou ao derrubar árvores. Aqui viviam lado a lado com muitas espécies, mas quando se extinguiram, estas estepes também desapareceram. Ora, as espécies sobreviventes expandiram a sua distribuição no território e poucas continuaram a partilhar as mesmas áreas. Anikó Tóth indica que isso pode ter acontecido porque o desaparecimento dos mamutes aumentou os recursos disponíveis e isso terá levado a uma maior competição e consequente dispersão dos mamíferos. 

E com as actuais alterações climáticas? 

E o que significa toda esta mudança? “Durante 300 milhões de anos, os padrões [de coabitação] de plantas e animais parecem ter sido os mesmos, mas tudo se alterou nos últimos dez mil anos”, refere a cientista num comunicado da sua instituição. “Se a conectividade entre as espécies torna os ecossistemas mais estáveis, este estudo sugere que já perdemos muitas dessas ligações, o que quer dizer que os ecossistemas actuais são, provavelmente, mais vulneráveis do que pensávamos.”  

As extinções do final do Pleistocénico foram causadas durante um período de alterações climáticas em que as temperaturas aumentaram e houve mudanças nos padrões de precipitação. “Também hoje em dia atravessamos um rápido aquecimento global [desta vez, provocado pela acção humana], assim como um elevado risco de extinção de grandes mamíferos”, frisa Anikó Tóth.

Por isso, tal como aconteceu no final do Pleistocénico, os mamíferos sobreviventes migrarão para áreas onde os habitats forem mais adequados às suas necessidades e isso mudará (mais uma vez) as interacções entre eles. “Como as extinções continuam a acontecer actualmente, o desaparecimento dos grandes mamíferos actuais produzirá profundas mudanças na forma como as comunidades ecológicas são estruturadas e como os animais se relacionam uns com os outros”, nota René Bobe. Moral da história (já retirada de outros tempos): os ecossistemas tornar-se-ão mais frágeis. 

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