A crise ambiental não é “um prato doce”. Mas eles metem a colher

Na Semana do Clima, procurámos activistas de diversas associações e movimentos portugueses. Actuam de forma diferente, com um propósito comum: alertar para a crise ambiental e climática que o planeta atravessa. Utilizar menos o carro, reduzir o consumo de carne ou ir para a rua são algumas das acções que sugerem. “Sem desesperar”, mas com consciência da necessidade de mudança.

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MIGUEL MANSO

Em 1948, quando a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) nasceu, as preocupações ambientais eram “bem mais ligeiras” do que as actuais. “A conservação da natureza era preocupação de uma minoria particularmente bem informada” — como era o caso do poeta Sebastião da Gama, que alertou para a destruição da Mata do Solidário, na Serra da Arrábida, na altura “a ser destruída para fazer carvão, e “estimulou Carlos Manuel Baeta Neves e um conjunto de personalidades do meio académico” a fundar a LPN. É a “mais antiga associação de ambiente da Península Ibérica”, conta Jorge Palmeirim, actual presidente.

Hoje em dia, o cenário é diferente: “O aumento do nível educacional da sociedade e a globalização da informação” fizeram com que os problemas ambientais deixassem de preocupar apenas uma minoria, para levar milhões de estudantes de todo o mundo a sair à rua em defesa do planeta. As associações ambientalistas passaram a proliferar pelo país — com diferentes áreas de actuação, mas um propósito comum. A LPN manteve-se activa, ajustando as suas acções às preocupações de agora: passou da “escrita de artigos de opinião e entrevistas em órgãos de comunicação social” para “actividades de educação ambiental em escolas e diferentes tipos de instituições”.

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Jorge Palmeirim, presidente da LPN DR

A educação ambiental é o campo de actuação de diversas associações. A Quercus, por exemplo, cuja data de fundação remonta a 1985, tem como “pedra basilar” as acções de formação nas escolas: “Desde as Olimpíadas do Ambiente [programa de formação ambiental para jovens do 7.º ao 12.º ano que teve a última edição em 2012], ao Projecto 80 [programa de sensibilização para a sustentabilidade, que aconteceu até 2018], a centenas de acções isoladas como debates, conferências e palestras, actividades de plantação de árvores com escolas”, enumera João Branco, tesoureiro e ex-presidente da associação.

Mas a acção não se esgota aqui. Há trabalho no terreno, que envolve, por exemplo, “hospitais veterinários com infra-estruturas para recuperar animais selvagens”: os centros de estudos e recuperação de animais selvagens de Castelo Branco, de Montejunto e de Santo André recebem animais feridos e tratam-nos com o “mínimo contacto com o ser humano”, para que sejam novamente libertados na natureza. Além dos animais, também a preocupação pela floresta autóctone marca a agenda da Quercus. Foi, aliás, o motivo primordial para a criação da associação: “E conseguimos pôr a questão dos eucaliptos na agenda”, atira João Branco.

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João Branco, da Quercus Adriano Miranda

Pelo caminho, em 1995, a associação criou também o Centro de Informação de Resíduos com vista a fomentar a gestão sustentável dos resíduos. O tema das alterações climáticas, afirma, era também algo que preocupava a Quercus “desde o início” — e sempre foi a motivação principal da Climáximo, cujo lema é “Justiça climática, já!”

Da desobediência civil ao consumo consciente

Antes de se juntar à Climáximo, em 2018, Paula Sequeiros pertencia a um outro movimento, o Colectivo Clima, que tinha “objectivos muito semelhantes” aos do movimento centralizado em Lisboa. “Preocupavam-nos as explorações de petróleo e gás que estavam anunciadas para todo o país e, acima de tudo, uníamo-nos pela ideia da justiça climática”, refere a activista. Quando levaram a Climáximo para o Norte do país, a acção focava-se essencialmente em saídas à rua para “distribuir comunicados e conversar”, ou “fazer sessões para explicar o que eram as alterações climáticas”. Tarefa difícil: “Debatíamo-nos muitas vezes com alguma incredibilidade. Porque não estamos a servir um prato doce a ninguém quando falamos de alterações climáticas, é sempre uma conversa dura e difícil.”

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Paula Sequeiros, activista da Climáximo Nelson Garrido

Se por um lado a Climáximo teve “esse papel de informação, disseminação e alerta”, também tem levado a cabo “algumas acções para abanar consciências e fazer parar a máquina do sistema” — como se prevê que aconteça a 27 de Setembro, dia marcado para uma nova greve pelo clima, desta vez geral. “Temos estado também envolvidos com as populações, nomeadamente da Bajouca e Aljubarrota, em oposição à extracção de gás. Sabemos que os contratos estão suspensos até depois do período eleitoral, o que significa que os protestos tiveram efeito”, refere.

Em conjunto com o Extinction Rebellion, fazem “acções mais radicais”, como a que aconteceu em Abril último, quando interromperam um discurso do primeiro-ministro para mostrar desagrado face à construção de um aeroporto no Montijo. “O Extinction Rebellion teve ponto de partida em Londres, num fim-de-semana em que foram bloqueadas várias pontes. Chegou a Portugal em Abril, com uma semana de rebelião”, refere João Reis, activista do movimento.

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João Reis, do movimento Extinction Rebellion Pedro Fazeres

Reivindicam “a declaração de emergência climática, a neutralidade carbónica até 2030 e a criação de uma assembleia de cidadãos que, ajudada por especialistas, pode lançar recomendações e orientações políticas”. E usam a desobediência civil como meio para atingir os fins — uma forma de protesto já utilizada em vários períodos da história, que se mostra “eficaz”.

Até 27 de Setembro, voltam a sair à rua com uma série de acções surpresa planeadas para o Porto e Lisboa. “Na terça-feira [24 de Setembro] vamos fazer uma acção parecida como a que aconteceu em Londres: vamos ocupar a via pública. Toda a gente alinhada com o conceito de acção do Extinction Rebellion é bem-vindo”, revela João Reis. “A crise climática tem vindo a ser trazida ao de cima desde há 30 anos”, mas nunca houve “acção visível”. “Agora temos dez anos para mudar tudo.”

Francisco Ferreira, presidente da associação Zero, relembra a importância das “acções que as pessoas tomam e das posições que assumem em relação ao tema”. É necessária informação e uma correcta priorização: “Pensamos nas questões da reciclagem, mas o fundamental são as escolhas dos produtos, que devem ser locais e ter, à partida, menos embalagem”, exemplifica.

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Francisco Ferreira, da Zero Francisco Romão Pereira

É também este tipo de informação que tentam ensinar em diversas formações que fazem. Apesar de terem iniciado actividade numa lógica de contacto directo com alunos, onde procuravam “apresentar a ciência, explicar o que se está a passar com o clima e quais são as previsões quer para o país, quer para o mundo”, actualmente apostam na formação de professores — formações “gratuitas, ainda não certificadas”, mas com perspectiva de que passem a sê-lo.

Mais ainda, a Zero pertence à Rede Europeia Internacional de Acção Climática e está, por isso, “activa ao nível das negociações internacionais e do acompanhamento da situação a uma escala europeia”. “Para nós é fundamental a vertente das políticas. Enviámos documentos para eurodeputados, procuramos influenciar as posições de Portugal à escala europeia, procuramos garantir que o nosso país tem posições ambiciosas no que respeita às energias renováveis, eficiência energética, metas climáticas”, afirma Francisco Ferreira.

Agir sem desesperar

Mas “as pessoas no poder ainda vêem a natureza como um supermercado”, atira Laura Williams, fundadora do projecto Floresta Desperta. A britânica mudou-se para a freguesia de Benfeita, em Arganil, há cerca de seis anos, e ficou “chocada com a monocultura” que encontrou e com o “abandono das terras” onde habita. Decidiu começar o projecto para “restaurar e regenerar a floresta” — necessidade agudizada depois dos fogos de 2017, que “queimaram todo o trabalho já feito”, incluindo a casa onde habitava.

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Laura Williams, do projecto Floresta Desperta DR

O trabalho de restauração da floresta é feito por si e por voluntários que vão aparecendo. A ideia do projecto é que as pessoas se conectem com a natureza: “Eu peço sempre às pessoas para desligarem os telemóveis quando vêm para cá. Se todos desligássemos os telemóveis uma hora por dia e fôssemos caminhar na natureza… Muito do trabalho que temos de fazer começa no interior”, acredita.

O contacto com a natureza é também a forma de actuação da Bioliving. Em 2015, o projecto arrecadou o prémio Terre de Femmes ao sugerir a utilização do património natural, histórico e cultural da Mata Nacional do Buçaco para funções pedagógicas. “O que fazemos é a conservação da natureza, educação ambiental e comunicação da ciência para a inclusão social. Pegamos em grupos de idosos, minorias étnicas, jovens com comportamentos desviantes, e reintegramo-los através de actividades como plantações, visitas na natureza e tudo o que é gestão ambiental em proximidade”, explica Milene Matos, fundadora do projecto.

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Milene Matos, fundadora da Bioliving DR

Por acreditar que “nem sempre a mensagem que chega às pessoas é informativa”, Milene Matos aposta em “mensagens rigorosas” — “para encararmos esta urgência com seriedade”. Sempre sem desesperar: “A missão é tão grande que as pessoas podem pensar que sozinhas não conseguem fazer nada. As pessoas devem agir à sua micro-escala — na sua casa, na sua rua, fazer o melhor que pode seguindo as boas práticas ambientais”, recomenda.

E o que podemos fazer para seguir as boas práticas ambientais? Os activistas deixam algumas dicas: Francisco Ferreira aconselha a “reduzir as emissões dos transportes promovendo uma mobilidade sustentável”; João Branco recomenda “a diminuição do consumo — seja de carne, de telemóveis, de gasolina” e Laura Williams acredita que a solução é “comprar mais vegetais e fruta orgânicos e produzidos localmente”. Ou “calçar as sapatilhas, ir para a rua” e “questionar o sistema”, como sugerem Paula Sequeiros e João Reis. “Entendendo que a acção colectiva e pública é que fará a diferença neste caminho para a extinção.”

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