Em apenas 50 anos, três mil milhões de aves desapareceram na América do Norte

A perda representa uma redução de quase 29% na abundância de aves dos EUA e do Canadá, segundo um estudo publicado na revista Science. Em Portugal também há diversas espécies de aves comuns em declínio.

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Grosbeak-nocturno (Coccothraustes vespertinus) Jay McGowan
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Coruja-das-neves (Bubo scandiacus) Doug Hitchcox

Há uma crise de biodiversidade na América do Norte. Entre 1970 e 2017, registaram-se menos 2,9 mil milhões de aves no território continental dos EUA e no Canadá. São 303 espécies afectadas que abrangem não só espécies raras e ameaçadas, mas também espécies comuns e largamente distribuídas. A conclusão é de um estudo publicado esta quinta-feira na revista Science. Considerando que as aves são um dos grupos de animais mais monitorizados, podem existir perdas equivalentes ou maiores noutros grupos animais, escreve a equipa de cientistas.

“Esperávamos ver sucessivos declínios de espécies em risco de extinção. Mas, pela primeira vez, os resultados também mostraram perdas contínuas em aves comuns, incluindo aves de quintal”, surpreende-se Ken Rosenberg, primeiro autor do artigo e cientista da Universidade de Cornell, EUA, citado num comunicado da instituição. Mais de 90% das aves que se perderam pertencem a 12 famílias. Incluem espécies de pardais, melros, cotovias e andorinhas. Estas espécies não estão em risco de extinção, mas têm um papel fundamental no funcionamento dos ecossistemas, pois são responsáveis pela dispersão de sementes, polinização e controlo de pragas.

Ao nível dos habitats, as aves das pradarias foram as mais afectadas. Registou-se uma perda superior a 700 milhões de aves nestes biomas. Três quartos das 31 espécies de pradaria estudadas estão em declínio. A diminuição das populações de aves ocorreu em todos os outros biomas da América do Norte, excepto em zonas pantanosas. Aqui, verificou-se um aumento de 13% das populações, sobressaindo o incremento das populações de anatídeos – patos, cisnes e gansos.

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Carriça-de-cacto (Campylorhynchus brunneicapillus) Brian Sullivan

A equipa estudou as populações de 529 espécies de aves através de dados de monitorização recolhidos a partir do solo – incluindo dados recolhidos por cidadãos – ao longo de quase 50 anos, no território continental dos EUA e no Canadá. Os cientistas também analisaram, entre 2007 e 2017, os movimentos migratórios nocturnos a maioria das espécies de aves terrestres migra durante a noite utilizando dados de radares meteorológicos da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, no acrónimo em inglês) no território dos EUA. Registou-se a descida dos movimentos migratórios nocturnos – menos 14% – mas apenas na zona Este do país.

Um mundo sem o canto dos pássaros?

Os investigadores referem que os resultados da investigação são comparáveis às perdas de aves observadas noutras partes do mundo, incluindo a Europa. Estudos demonstram que o principal factor de diminuição do número de aves é a destruição de habitats, provocada pelas alterações climáticas, a intensificação da agricultura e a urbanização. A predação por parte de gatos domésticos errantes, a colisão com vidros ou edifícios e a utilização de pesticidas – responsáveis pela morte de insectos, fonte de alimento das aves – estão também entre os motivos apontados.

Contudo, são necessários mais estudos para perceber as causas da perda de aves na América do Norte. Peter Marra, cientista do Instituo de Conservação Biológica da Instituição Smithsonian, EUA, e outro dos autores do estudo, citado em comunicado, sublinha que é “crucial sinalizar estas ameaças, que podem levar à degradação dos ecossistemas de que dependemos para a nossa saúde e subsistência”. E questiona: “Conseguem imaginar um mundo sem o canto dos pássaros?”

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Junco (Junco hyemalis) Jay McGowan

Em Portugal, diversas espécies de aves comuns estão em declínio. Destacam-se a rola-brava, o abelharuco e espécies de habitats agrícolas, como o pintassilgo ou o pardal. “A afectação de inúmeras espécies associadas aos ambientes agrícolas poderá ser um reflexo da intensificação agrícola que tem ocorrido de forma mais significativa nos últimos anos em Portugal”, explica, ao PÚBLICO, Hany Alonso, membro da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Essa intensificação agrícola, acrescenta o coordenador do Censo das Aves Comuns, conduz à perda e degradação do habitat destas espécies, devido à transformação dos mosaicos agrícolas em áreas extensas de monoculturas e à utilização de fitofármacos que prejudicam as aves.

A conservação resulta

Na América do Norte, entre 1970 e 2017, perderam-se 3,2 mil milhões de aves no total, um número que compreende 38 famílias de aves, entre as 67 abrangidas pelo estudo. As restantes 29 registaram um aumento de 250 milhões de indivíduos. Além dos anatídeos, destacam-se as aves de rapina, como a águia-de-cabeça-branca, que conseguiram recuperar depois da proibição do pesticida DDT, escrevem os autores. A equipa refere ainda que a recuperação dos anatídeos é resultado do investimento de milhões de dólares na protecção e restituição de zonas pantanosas. Estratégias de conservação semelhantes poderiam ser aplicadas noutros biomas, como as pradarias, acrescentam.

“Há tantas formas de ajudar a salvar as aves”, afirma, em comunicado, Michael Parr, membro do Conservatório de Aves Americanas, EUA, e um dos autores do estudo. “Cada um de nós pode fazer a diferença no seu dia-a-dia através de acções que, em conjunto, podem salvar a vida de milhões de aves, como tornar as janelas mais seguras para as aves, manter os gatos dentro de casa e proteger os habitats.” O investigador sugere ainda reforçar o Tratado de Aves Migratórias (celebrado em 1918 entre os EUA e o Canadá), proibir pesticidas prejudiciais e financiar programas de conservação de aves.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas
 

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