Em busca do aeroporto perfeito

Não há soluções perfeitas, mas o Montijo é a solução quase perfeita para os próximos 50 anos.

1. A semana passada foi divulgado um manifesto intitulado “Por um Aeroporto sustentável para Lisboa – Poupem o Montijo”, subscrito por 60 personalidades de referência na sociedade portuguesa, verberando a construção do novo aeroporto do Montijo. É uma velha sina desta saga: somos sempre tão exigentes e tão preciosistas com projectos estruturantes que, não raro, ficamos tolhidos no processo decisório e nada se faz. Nas calendas gregas decide-se sempre mais comodamente.

Há 50 anos que o País discute a localização do novo aeroporto. Mas há um tempo para estudar e sopesar prós e contras, um tempo para rever opções e um tempo para decidir. A decisão foi tomada, depois de análises e opções revistas. Este é o tempo de fazer. Assim o permita a Declaração de Impacte Ambiental positiva. Porque, na verdade, tenho uma má notícia para dar: não há localizações perfeitas. E, não querendo de todo menosprezar a generosidade cívica de quem protesta as suas opiniões, ou desconsiderar a qualidade técnica que deve informar a decisão política, insistir na busca da perfeição é um exercício estéril.

2. Ao longo deste processo foram estudadas 17 opções. Todas foram sendo abandonadas. Portugal é um “case-study” das hesitações decisórias. A última – a de Alcochete – tinha o ligeiro pormenor de ser longínqua e de, sem novas acessibilidades, colocar os passageiros a mais de uma hora de Lisboa em transporte público. Lisboa perderia competitividade e a facilidade de acesso que o Montijo e o Humberto Delgado facultam. Fica praticamente ao dobro da distância do Montijo, implicava vultuosos e demorados investimentos complementares nas acessibilidades e, como qualquer solução, tinha também impactos ambientais relevantes.

O aeroporto do Montijo é a solução quase perfeita: a pré-existência de duas pistas militares, a localização a cerca de vinte minutos de Lisboa, a acessibilidade rodoviária muito fácil, a ausência de custos de construção directos para o Orçamento do Estado, um prazo de construção rápido de três anos. E, por ser de mais rápida implementação, é a única solução capaz de minimizar uma substancial perda de procura por falta de capacidade e de evitar um prejuízo de milhares de milhões de euros para o país. Naturalmente, tem alguns custos ambientais. Mas o Governo respeitará e fará respeitar escrupulosamente as medidas mitigadoras que vierem a ser impostas.

3. Os promotores do manifesto alertam para o ónus do ruído. Trata-se de um tema a que o Governo atribui especial importância. Apesar dos estudos ambientais desenvolvidos demonstrarem que os impactes do aeroporto do Montijo não têm paralelo com a situação do aeroporto de Lisboa, o ruído será minorado através de um programa de insonorização das habitações e serviços públicos, nas zonas sujeitas aos cones de aproximação, como os habitantes de Lisboa nunca beneficiaram e o Governo entende que deverão igualmente beneficiar. Alertam, igualmente, para o risco de colisão com as aves. Mas há muitos aeroportos com contingência similar e têm sido desenvolvidas medidas mitigadoras dessa eventualidade. Importa relativizar os riscos e minimizá-los. O Montijo não é uma solução perfeita, mas é a menos imperfeita que se conhece.

4. Recentemente, surgiu também na imprensa um alerta para o risco de inundação em caso de cheia de 100 anos, com a previsível subida do nível das águas do mar ou de “tsunami”. Alegadamente, a cota necessária para obviar a tais riscos e tornar o aeroporto imune mesmo a tais ocorrências seria de seis metros e não de cinco metros. Mas este alerta, a ser tecnicamente fundado, só reforça a ideia de que o aeroporto é viável ali: mesmo nos cinco metros, apenas parte da pista ficaria afectada e episodicamente… E nada impede que a cota se suba para os seis metros… Inviabilizar o aeroporto ali, pelo facto de, nos próximos cem anos, ele poder ser encerrado por uns dias, não me parece motivo suficientemente forte.

5. Temos, ainda, o síndroma do “apeadeiro”: Montijo seria uma solução esgotada em dez anos… Ora, importa lembrar que o novo sistema aeroportuário de Lisboa, composto pela pista do Humberto Delgado e pela pista do Montijo, torna Lisboa servida por duas pistas a operar em simultâneo. Na verdade, os diversos estudos de procura, promovidos tanto pela ANA, como pelo Estado, são unânimes a apontar que o Montijo terá capacidade pelo menos até 2062. Não há falta de espaço no Montijo. Basta, aliás, notar que a área da base aérea do Montijo corresponde sensivelmente ao dobro de toda a área ocupada pelo Aeroporto Humberto Delgado. Mais impressivo ainda: a península do Montijo tem a dimensão da área ocupada pelo Aeroporto de Heathrow que é “só“ o aeroporto mais movimentado da Europa.

Acresce que, se as previsões de tráfego não se confirmassem e antes de 2062 viesse a ser necessária nova pista, o Montijo continuaria a ser suficiente. Na verdade, a península do Montijo (onde ainda ficará parte da Força Aérea) tem espaço e capacidade para acolher uma segunda pista com três quilómetros, apta, portanto, a receber todo o tipo de aviões. Nesse cenário, Lisboa ficará servida por três pistas, o que deve bastar para os próximos cem anos. Até lá, ninguém sabe o que a evolução do mundo nos reserva. Daqui a 50 anos, como será o sistema de descolagem dos aviões? Certo é que serão muito mais silenciosos e ambientalmente amigos… Não há, pois, soluções perfeitas, mas o Montijo é a solução quase perfeita para os próximos 50 anos. Não é “apeadeiro” porque pode tornar-se na estação principal. E não esgota rapidamente porque tem capacidade para triplicar a oferta atual de Lisboa.

6. Enfim, sobra o tema das acessibilidades. Concordo com o PCP que sempre defendeu que o novo aeroporto deve ser dotado de acessibilidade ferroviária. Realmente, quando se projeta a 10, a 20 ou a 50 anos, esse modo de mobilidade deve ser previsto. O planeamento a médio e longo prazo não pode ficar refém da conjuntura anual. A meu ver, o Montijo não deve, pois, excluí-lo. O espaço canal para a terceira ponte deverá continuar, por isso, a ser reservado para esse efeito. E, no imediato, deve estudar-se uma ligação ferroviária/metropolitano ao aeroporto do Montijo, para além das rodoviárias e marítimo-fluviais já previstas. Ela é possível e parece-me essencial. Em suma, a opção Montijo resiste bem ao teste do planeamento de longo prazo e ao teste da acessibilidade intermodal plena.

7. Um aeroporto sustentável articula as dimensões ambiental, social e económica. O aeroporto do Montijo, em si mesmo, deverá ser exemplar do ponto de vista das melhores práticas ambientais. Mas o ambiente é apenas uma das vertentes da sua sustentabilidade. Esta depende, também, dos impactos positivos que gere no emprego, na mobilidade, na conectividade internacional, na economia regional e nacional. Na ponderação de todos os interesses relevantes, fazer o Montijo defende melhor o interesse público do que não o fazer. Mas a localização perfeita do aeroporto de Lisboa é uma quimera. Não há mais opções em torno de Lisboa. O território não esticou. Aproveitar a existente base militar e reconvertê-la para fins civis é a solução menos imperfeita. E, sendo a menos imperfeita, é, seguramente, a melhor. 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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