Richard Stallman, guru do software livre, demite-se do MIT após comentários sobre vítima de Jeffrey Epstein

A decisão surge depois de serem tornados públicos emails em que Stallman afirmava que vítimas participavam em actos sexuais de forma “inteiramente voluntária”.

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Richard Stallman, numa palestra na Universidade do Minho, em 2012 Paulo Pimenta

O programador e activista Richard Stallman, conhecido por ser um acérrimo defensor do software livre, demitiu-se do cargo de professor convidado do laboratório de inteligência artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, depois de serem tornadas públicas afirmações que fizera sobre as vítimas de Jeffrey Epstein, o investidor multimilionário acusado de abusos sexuais a menores e que se suicidou em Agosto na prisão.

Em emails recentes enviados a grupos de docentes e alunos do MIT – divulgados por uma das destinatárias no site Medium – Stallman afirmava que uma das vítimas das redes de tráfego de Epstein participou em actos sexuais com outros homens de forma “inteiramente voluntária”. O comentário era uma referência ao caso de uma mulher que diz ter sido obrigada por Epstein a prostituir-se aos 17 anos e a ter relações com vários homens, entre os quais o falecido cientista Marvin Minsky, pioneiro da inteligência artificial e membro fundador do MIT Media Lab. Nos emails tornados públicos, Stallman dizia que a diferença entre participar em actos sexuais com 17 ou 18 anos era um detalhe “menor”.

Há anos que o activista era um conhecido defensor de que a idade legal para consentimento de actos sexuais devia ser mais baixa nos EUA, onde varia entre os 16 e os 18 consoante o estado  (em Portugal, a lei fixa os 14 anos, embora com restrições até aos 16): “Acho que toda a gente com 14 ou mais anos deve poder participar em actos sexuais, embora não de forma indiscriminada. E há pessoas que estão prontas mais cedo”, escreveu o programador em 2003. 

Apesar dos comentários sobre as vítimas, no entanto, Stallman não defende Epstein. Além dos emails aos colegas do MIT, desde o começo do ano que o investigador acompanhava as acusações contra o multimilionáiro no site pessoal. “Acho que o termo correcto contra Espein é ‘violador em série'”, escreveu em Abril de 2019. “Chamar-lhe um ‘criminoso sexual’ é redutor, porque coloca-o com um grupo de tantas outras pessoas que podem ter cometido um grande espectro de actos de diferentes níveis de gravidade. Alguns que não são crimes.”

Na nota de demissão, partilhada no site pessoal de Stallman esta segunda-feira, o cientista diz que a forma como os emails foram expostos resultou numa série de “mal-entendidos e descaracterizações” sobre ele próprio. “Demito-me, com efeito imediato, do MIT CSAIL [Laboratório de Inteligência Artificial e Ciências da Computação]. Estou a fazê-lo devido a pressões sobre o MIT e sobre mim”, lê-se na mensagem.

A engenheira de robótica Selam Jie Gano, que foi quem publicou os email de Richard Stallman, justifica a sua decisão com base no facto de muitos alunos que participam nas aulas de Stallman terem, também, 17 ou 18 anos. 

A notícia sobre a demissão de Richard Stallman chega numa altura em que o MIT já é alvo de fortes críticas por ter escondido as origens de dinheiro oriundo de doações feitas por Epstein. A controvérsia levou o director director do Media Lab, Jo Ito, a demitir-se o mês passado, depois de se verificar que marcava frequentemente as doações de Epstein como “anónimas” em registos internos.

Além de deixar o instituto de tecnologia, Stallman vai abandonar o cargo como presidente da Fundação para o Software livre, organização que criou em 1985 para promover programas de computador que podem ser partilhados, analisados e modificados de forma livre.

Aos 66 anos, Richard Stallman é conhecido por ter criado o sistema operativo livre GNU. O carácter excêntrico também é uma imagem de marca: numa visita em Portugal a 2016, para uma palestra na Universidade do Minho, acabou uma palestra de duas horas sobre direitos de autor num auditório cheio a fazer um leilão a uma mascote de peluche.

Correcção: Numa versão inicial da notícia lia-se que o núcleo Linux tinha como base o sistema operativo GNU. Não é o caso. 

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