Eleições em Israel: “Os resultados são apenas o primeiro passo do jogo”

Ofer Kenig, investigador do Israel Democracy Institut, traça vários cenários possíveis após a votação em Israel, de uma maioria a Netanyahu a novas eleições.

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Avigdor Lieberman, de braço direito a grande desafio para Netanyahu Amir Cohen/Reuters

Numa troca de emails com o PÚBLICO, Ofer Kenig, investigador do Israel Democracy Institute, antevê “uma confusão” nestas eleições em Israel: potenciais cisões de partidos, mudanças de políticos, e até a hipótese de um governo liderado pelo Likud, mas sem Netanyahu.

O que pode acontecer nestas eleições?

Vejo três cenários:

1. O Likud e os seus aliados (o chamado bloco de direita religiosa) conseguem os 61 deputados [a maioria no Parlamento de 120]. Esta será uma grande conquista para Netanyahu. Permitirá que continue os seus esforços para evitar uma acusação criminal e manter as tendências populistas do actual Governo.
2. Se o Likud e os seus aliados não conseguirem a maioria, a situação começa a complicar-se. E aí temos as opções de um governo de “unidade”, que junte Azul e Branco [do antigo chefe do Exército, Benny Gantz], Likud e o partido de Avigdor Lieberman, liderado por Netanyahu, ou um governo de unidade com estes mesmos partidos mas liderado por Gantz, ou ainda este mesmo governo liderado por outro candidato do Likud, se o Likud conseguisse afastar Netanyahu da liderança do partido.
3. Novo impasse e uma terceira eleição.

Penso que a última opção é menos realista, o que nos deixa com as várias opções do n.º 2, e penso que qualquer uma das três hipóteses de Governo de unidade é possível.

Nenhuma das sondagens publicadas desde as últimas eleições [em Abril] deu 61 deputados ao Likud e seus aliados, o que deveria excluir a primeira opção. Mas não devemos subestimar as capacidades de campanha de Netanyahu. Ainda pode acontecer, embora as hipóteses sejam baixas. 

Quais podem ser os factores decisivos?

A participação é um factor chave. Se os árabes e a classe média secular votar isso irá diminuir as hipóteses de uma maioria para o bloco do Likud e aliados. E excepto no caso da primeira opção, em todos os outros cenários os resultados são apenas o primeiro passo do jogo. O Presidente vai ter um papel muito importante na decisão de quem nomear para tentar formar governo. As negociações de coligação vão ser longas e difíceis e podem incluir a cisão de um ou mais partidos, ou passagem de deputados para outros partidos. Uma confusão.

O que se destacou na campanha?

Duas coisas. Uma surpresa, a questão do Estado e religião foi central desta vez, porque Avigdor Lieberman pôs a questão em foco na campanha do seu partido. Outra surpresa foi a falta de interesse nos problemas legais de Netanyahu. Até os seus maiores rivais não sublinharam a questão na campanha.

Porquê? Porque os outros partidos sabem que podem acabar por se juntar a ele numa coligação?

Creio que os rivais de Netanyahu pensam que atacá-lo directamente pelos seus problemas legais não vai convencer eleitores a mudar de lado. E aparentemente há um cansaço em relação a este assunto, que parece arrastar-se numa eternidade.

E qual a razão para a estratégia de Lieberman? Para confirmar o motivo que o levou a recusar coligar-se com Netanyahu?

Se perguntasse a Lieberman, ele diria que a sua posição não mudou. Mas isso é enganoso. Penso que ele se reinventou, de modo muito inteligente, a si próprio, e ao seu partido. Ao focar-se no Estado e religião, ele posiciona-se como o decisor, a chave para quem será o primeiro-ministro. O partido de Lieberman é o único que é claramente de direita (em relação ao conflito, com pendor anti-árabe, tendências populistas) mas ao mesmo tempo também secular, o que o aproxima dos partidos de centro-esquerda.

Essa descrição não poderia ser do Likud? 

Bem, apesar de tudo, Lieberman começou no Likud. Nos anos 1990 era o braço direito de Netanyahu e era director-geral do Likud. Durante décadas, o Likud juntou posições “de falcão” em relação ao conflito [israelo-palestiniano] com uma ideologia liberal (sistema judicial independente, imprensa livre, respeito pelos direitos das minorias, etc.). Mas nesta última década, teve uma viragem para a direita populista e afastou-se dos seus valores liberais. É por isso que nos últimos dias vários políticos importantes do Likud vieram dizer que pela primeira vez na vida não votariam no partido.

O que podemos esperar após a noite eleitoral?

Temo um cenário em que o Likud e os seus aliados deslegitimizem os resultados (a não ser que o seu bloco tenha maioria), desviando a culpa para irregularidades e fraudes nas localidades árabes, com o tema “os árabes roubaram as eleições à direita”.

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