Hotelaria e alojamento local defendem descentralização do turismo em Lisboa

Centenas de operadores do alojamento local em Lisboa estão a ponderar “migrar” para o arrendamento habitacional, porque perceberam que a prestação de serviços é “muito exigente”.

Foto
NELSON GARRIDO

A gestão dos fluxos turísticos, sobretudo na cidade de Lisboa, deve ser assegurada com a descentralização da oferta e a criação de novos pólos de atracção do turismo, segundo as associações da hotelaria e do alojamento local.

“Não é uma questão de controlo, de medidas de contenção, de quotas, de proibir, é uma questão de disciplinar, regular, melhorar as acessibilidades e a mobilidade dentro desta grande área metropolitana”, afirmou a presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Cristina Siza Vieira, propondo, assim, uma melhor distribuição da oferta turística pelo território.

No âmbito da criação de novos pólos de atracção do turismo, uma vez que “Lisboa é uma cidade — é esse um dos seus encantos — contida, pequena”, a representante do sector da hotelaria defendeu a implementação de “uma bilhética combinada — encontrar mais pretextos para estender a visita para lá daquilo que é o nicho histórico”.

“Não são medidas de controlo, são medidas de melhor disciplina no território e no espaço da oferta cultural e patrimonial que existe na área metropolitana”, reforçou, apontando o caso de Amesterdão como “uma experiência muito interessante” na integração com outras cidades, para conseguir, por um lado, espalhar o benefício do turismo a outros locais e, por outro, retirar pressão em determinados destinos.

Cristina Siza Vieira disse ainda que a questão do boom do turismo “não é apenas a pressão sobre a habitação”, mas a qualidade da experiência turística.

“A certa altura já não é só uma questão de estarmos a sacrificar o uso habitacional, é uma questão de a própria experiência para o turista ser uma experiência já negativa, portanto é mau para o destino, é mau para o turista e a médio prazo não há destino que aguente”, declarou a representante do sector da hotelaria, alertando para o fenómeno de “turismofobia”, como se verifica em Barcelona.

Segundo dados da AHP, a cidade de Lisboa é o focal point de toda a região, representando “cerca de 80% dos hóspedes e 84% das dormidas na Área Metropolitana de Lisboa”, onde a taxa de crescimento médio anual registou “um grande pico em 2016 e 2017”, com o crescimento da oferta a registar uma taxa de 12,5%. Esta evolução motivou a abertura de 12 hotéis nesta região durante 2018.

Com uma posição semelhante, o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, considerou que o grande problema é que a reacção normal ao crescimento rápido do turismo seja “proibir, suspender, evitar”.

“Mas o grande desafio, que é o que se está a tentar fazer no alojamento local, por isso é inovador, é gerir melhor, gerir as zonas onde há mais concentração, porque pouca coisa, muito pouca coisa tem sido feita na gestão”, referiu o presidente da ALEP, apresentando a gestão dos fluxos como “uma hipótese interessante”.

Como medidas a implementar nesse âmbito, Eduardo Miranda sugeriu “horários para determinadas atracções pré-marcadas onde se distribuiu melhor o fluxo”, acrescentando que “é preciso fazer algum investimento, como a descentralização em Lisboa”.

“Uma das estratégias da Entidade Regional de Turismo de Lisboa é descentralizar, é levar os turistas também para as outras áreas da própria região de Lisboa e não só em Lisboa”, indicou o representante do alojamento local, frisando que “Lisboa como região tem muito mais para oferecer do que a cidade”.

De acordo com o presidente da ALEP, mesmo na cidade é preciso criar também outros pólos de atracção para que os turistas se dispersem mais.

Os dados do Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local, disponibilizados a 10 de Setembro, dão conta da existência de 24.208 espaços no distrito de Lisboa, dos quais 18.840 são na capital.

Alojamento local em Lisboa pondera “migrar” para arrendamento habitacional

Centenas de operadores do alojamento local em Lisboa estão a ponderar “migrar” para o arrendamento habitacional, porque perceberam que a prestação de serviços é “muito exigente”, avançou a associação do sector, destacando a “grande flexibilidade” desta actividade económica.

“Temos aqui um potencial, se calhar mais de milhar de casas, para de uma forma natural, imediata, no dia seguinte, se criarmos as condições, poder migrar e fazer um trabalho que nem sequer a Câmara consegue de, de um ano para o outro, apresentar 2000 casas para o arrendamento”, afirmou o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, em declarações à agência Lusa.

No seu entender, a transição destes estabelecimentos para o arrendamento permanente “é uma oportunidade enorme” para fazer aumentar a oferta de habitação.

Dos cerca de 18.000 estabelecimentos de alojamento local em Lisboa, “há sempre qualquer coisa como 10% a 15% que são de mais baixo desempenho, portanto não estão a atingir os níveis mínimos de desempenho”, indicou Eduardo Miranda, explicando que estas situações se localizam sobretudo nas zonas de contenção dos bairros do centro histórico lisboeta, onde os operadores começaram a explorar outras formas de arrendamento, mas mantêm o mesmo registo de actividade.

“Não dão baixa do seu registo, porque sabem que se derem baixa nunca mais vão conseguir voltar ao alojamento local nestas zonas”, referiu.

Os operadores “não são obrigados, quando iniciam um arrendamento, a abandonar de vez o alojamento local”, o que lhes permite experimentar outras vertentes antes de decidir como explorar o activo imobiliário.

“Estamos a falar de registos que existem, são vários, são legais, mas que, na prática, não estão a ser dedicados hoje ao alojamento local, mas sim a outras actividades”, apontou Eduardo Miranda, defendendo que é positivo haver um “experimentalismo” em vez de uma “transição imediata” de uma actividade para outra.

O presidente da ALEP disse que a flexibilidade do alojamento local “é fundamental para a cidade”, permitindo que a função dos imóveis seja alterada de acordo com a necessidade e a procura.

Além de o alojamento local ser uma actividade de prestação de serviços “muito exigente”, que “dá muito trabalho” e que “não dá o rendimento que tinham vendido”, um dos factores de motivação para que haja “uma migração natural” é a questão dos incentivos fiscais na celebração de contratos de arrendamento habitacional, nomeadamente a isenção total de impostos no Programa de Arrendamento Acessível.

Questionado sobre o equilíbrio entre turismo e habitação, Eduardo Miranda advogou que “há muito para se fazer na oferta de habitação”, uma vez que se trata de “um problema estrutural”, em que, durante décadas, a dinâmica do mercado sempre foi direccionada para a aquisição de casa própria e “nunca foi pensada para o arrendamento”.

Classificando como “gigantesco” o trabalho que é necessário fazer na habitação, o presidente da ALEP sublinhou que o problema estrutural não se resolve num curto espaço de tempo, pelo que “o alojamento local foi usado, às vezes, como bode expiatório”.

“Como não havia saída, luz ao fundo do túnel, a curto prazo, num problema destes tão estrutural — ninguém investe 10 ou 20 mil casas de uma hora para outra —, era preciso encontrar aqui, às vezes, um alvo mais fácil”, sustentou Eduardo Miranda, reforçando que o alojamento local pode ter feito parte do processo de transformação da cidade de Lisboa, “mas de longe não foi o culpado pela questão da habitação”.

Segundo o representante do sector, o alojamento local em Lisboa concentrou-se “essencialmente no centro histórico, que era justamente a zona que tinha pouco perfil habitacional”, mas que voltou a ser atractiva, pelo que foi restringida a abertura de novos estabelecimentos, através de intervenção da Câmara Municipal.

Sugerir correcção
Comentar