BCE baixa juros e regressa às compras de dívida

Mario Draghi confirma pacote de medidas para contrariar arrefecimento da economia da zona euro. Banco central baixou a taxa de depósito e decidiu voltar a comprar dívida pública, a um nível moderado mas sem definir um prazo final para a duração do novo programa.

O BCE confirmou as expectativas dos mercados que apontavam para a adopção de diversas medidas para reanimar uma economia da zona euro cada vez mais em risco de recessão. A entidade liderada por Mario Draghi decidiu baixar a taxa de juro de depósito de -0,4% para –0,5%, prometeu que essas taxas se irão manter ao presente nível até que a inflação se aproxime de 2% de forma sustentada, anunciou que em Novembro voltará a efectuar compras líquidas de dívida pública no valor de 20 mil milhões de euros ao mês e melhorou as condições dos seus empréstimos de longo prazo aos bancos.

Na dimensão relativamente reduzida das novas compras de dívida, o banco central pode vir a desiludir alguns actores do mercado, mas em compensação surpreendeu na forma como decidiu que o novo programa de compras fica com um prazo indefinido e como aumentou as expectativas de taxas de inflação baixas durante muito tempo. 

A decisão menos surpreendente foi a descida da taxa de juro de depósito, em 0,1 pontos percentuais. Os investidores apenas tinham dúvidas se a descida seria mais ambiciosa, de 0,2 pontos percentuais, ou mais moderada, de 0,1 pontos percentuais, o que se veio a verificar.

A taxa de juro de depósitos é a taxa que é oferecida pelo BCE aos bancos comerciais da zona euro por colocarem as suas reservas nos cofres do banco central. Neste momento, como a taxa de juro praticada pelo BCE é negativa, o que acontece na prática é que, em vez de serem remunerados, os bancos comerciais têm de pagar para depositar dinheiro no BCE. A nova descida desta taxa agora decidida para valores ainda mais negativos tem como objectivo incentivar os bancos a acumularem menos reservas e a emprestarem mais dinheiro às empresas e famílias.

Talvez ainda mais importante é a mudança realizada pelo BCE às indicações que dá em relação à evolução futura das taxas de juro. Até aqui, garantia apenas que uma subida de taxas não aconteceria durante um período longo de tempo, dando como referência a primeira metade de 2020, mas agora passou a dizer que irá manter as suas taxas de juro “ao seu actual nível ou mais baixo até que veja a inflação a convergir robustamente para um nível suficientemente próximo, mas abaixo, de 2%, dentro do horizonte de projecção”. Uma promessa que dá ainda mais garantias de que teremos ainda um longo período pela frente com taxas de juro ultra baixas como agora.

Compras de 20 mil milhões ao mês

Mais incerteza havia em relação ao regresso às compras líquidas de dívida. Apesar da reticência revelada por alguns governadores, o BCE decidiu mesmo avançar com novas compras. O nível do programa, com compras líquidas de 20 mil milhões de euros ao mês, pode no entanto desiludir os mercados que apontavam para um volume de compras anual de pelo menos 600 mil milhões de euros. Para além disso, o BCE não anunciou para já qualquer alteração nas regras do programa de compra de activos, mantendo as limitações (não pode deter mais de um terço de cada título de dívida) que o impedem de comprar mais dívida em alguns países e não avançando para a compra de outro tipo de activos como acções.

Em compensação, contudo, o que pode agradar a quem desejava um plano ambicioso, é o facto de esta nova etapa de compras não ter para já uma data de conclusão definida.

O banco central já conta no seu balanço com 2,6 biliões de euros de títulos de dívida (públicos e de empresas) comprados ao longo dos últimos anos para tentar reanimar a economia da zona euro. No final do ano passado, num cenário de melhoria da conjuntura, o BCE deixou de fazer compras líquidas de dívida pública dos países da zona euro, passando apenas a substituir por novas dívidas aquelas que chegam à maturidade. Agora, embora de forma moderada, volta às compras.

Ao mesmo tempo que voltou a baixar taxas de juro, o BCE decidiu também avançar com medidas de protecção aos bancos, que se têm vindo a queixar cada vez mais do impacto que as taxas de juro negativas têm no seu negócio. Assim, à semelhança daquilo que já foi feito por países como a China ou a Suíça, o BCE optou por passar a isentar uma parte das reservas dos bancos da aplicação de taxas de juro negativas.

Também para facilitar a vida aos bancos, o BCE melhorou ainda mais as condições dos empréstimos de longo prazo que concede às instituições financeiras da zona euro. O prazo dos empréstimos é alargado de dois para três anos, e as taxas de juro passam a poder ser tão baixas como a taxa de depósito do BCE, agora alterada para -0,5%.

As primeiras reacções nos mercados mostraram uma nova depreciação do euro face ao dólar e uma descida das taxas de juro da dívida pública dos países da zona euro, o que revela que os investidores ficaram, pelo menos numa fase inicial, impressionados com a força do pacote de medidas apresentado por Draghi.

Do outro lado do Atlântico, a reacção mais rápida veio de Donald Trump. Na sua conta do Twitter, o presidente norte-americano assinalou o impacto que as medidas do BCE têm na taxa de câmbio do euro face ao dólar e aproveitou para criticar a Reserva Federal por não baixar mais as taxas de juro.

A decisão do BCE acontece no mesmo dia em que surgiram novos sinais de deterioração da conjuntura económica na zona euro. De acordo com o Eurostat, a produção industrial recuou 2% em Julho na zona euro face ao mesmo mês de 2018, com Portugal a registar uma quebra de 3,4% e a Alemanha de 5,3%. Ainda na Alemanha, o think tank Ifo apresentou uma previsão de variação do PIB de -0,1% para o terceiro trimestre (o mesmo resultado já registado no segundo trimestre), o que significaria a entrada da maior economia da zona euro numa situação de recessão técnica.

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