A crise, os partidos e a memória

Com mais ou menos receio de usar a palavra maldita (“austeridade”), os partidos reconhecem que uma crise pode estar para vir. Um sinal de que o país é inteligente e capaz de mobilizar a sua memória.

As discussões sobre a economia e as finanças do Estado marcaram indelevelmente as eleições de 2015 e prometem repetir essa condição na campanha que já está nas ruas. Entre um e outro momento há claras linhas de continuidade: o medo do regresso da crise; o cuidado com os gastos do erário público; a noção de despesa e dos recursos para a pagar; a análise cuidadosa dos políticos ou dos partidos em relação ao rigor das suas contas. Mas esta eleição tem também um dado novo que vale a pena ser enaltecido: num ano de contas equilibradas e de crescimento económico (embora muito tímido), os principais partidos do arco do poder abdicaram das promessas faraónicas e continuam a ser contidos nas suas promessas. Como afirmou Mário Centeno numa entrevista à RTP3, os políticos começaram a olhar de outro modo para o dinheiro dos contribuintes.

A prudência que atravessa os programas dos partidos é sinal de que aprenderam com a experiência histórica recente. Mais: é sintoma de que deixaram de olhar para os cidadãos como crianças capazes de se deslumbrar com o doce maior. Os programas são o que são e valem o que valem; mais a favor do corte de impostos como pretende o CDS ou contra o modelo capitalista que inventa crises e as usa para punir os trabalhadores, como sugerem o Bloco e o PCP. Todos pretendem servir um catálogo de medidas que convençam as pessoas da razão, visão ou competência dos seus autores. Mas descontada a carga ideológica que leva o PSD a propor um corte fiscal na legislatura de 3,7 mil milhões de euros ou o PS a avançar com um plano de investimento público entre os sete e os dez mil milhões de euros por ano, no essencial os programas são hoje mais enxutos. Ou mais austeros.

É de resto essa abertura que leva os partidos a falar da probabilidade de uma crise com desassombro. Ou com realismo. Sem garantir que ela virá. Mas com a prudência suficiente para que o país não seja apanhado desprevenido. Com os sinais de recessão a avolumarem-se em todo o mundo, essa é a atitude que o país espera dos seus representantes. Há umas semanas o PÚBLICO deixou aqui esse pedido de atenção e é justo reconhecer que, cada um à sua maneira, com mais economia ou mais Estado, mais ou menos impostos e, como se escreve nesta edição, com mais ou menos receio de usar a palavra maldita (“austeridade”), os partidos reconhecem que uma crise pode estar para vir. Também este é um sinal de que o país é inteligente e capaz de mobilizar a sua memória.

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