Amazónia: um compromisso sereno com a destruição galopante

Em Portugal, perante este plano orquestrado a palavra usada pelo Governo é compromisso. Mas o compromisso que Bolsonaro tem já está à vista. É esse o compromisso do Governo português?

A Amazónia está sob ataque e a ser deliberadamente transformada. Ela não arde, ela extingue-se nas mãos de uma liderança política colonialista e capitalista que destruiu os últimos redutos de regulamentação, legislação, fiscalização e ação de estado que protegiam a floresta. Com esta política, a Amazónia desaparecerá, as monoculturas e o minério instalar-se-ão de vez, a biodiversidade e a regeneração desaparecerão. Se isso acontecer, não será apenas a Amazónia a desaparecer, seremos nós e o mundo tal como o conhecemos.

Chegou, portanto, a hora de se deixar de olhar para Bolsonaro e Trump de forma impávida e serena. Por mais que o nosso otimismo queira, não estamos perante regimes que comandam estados “sem saber ler nem escrever”. Eles estão preparados precisamente para isto, e prometeram-no nos seus programas eleitorais.

Bolsonaro sempre disse ao que vinha: “Coisa ambiental é de vegano”, o Ministério do Meio Ambiente devia ser extinto — o que praticamente fez ao nomear Ricardo Salles para ministro —, define o Instituto do Meio ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como “indústria da multa” e colocou-se publicamente a favor da agroindústria e contra este instituto. Desqualificou e negou os dados científicos divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Bolsonaro ainda afirmou que não criaria mais nenhuma área protegida e que era perfeitamente possível explorar minérios em terras indígenas.

E passou aos atos: cortou 187 milhões de reais do orçamento do Ministério do Ambiente e 89 milhões de reais ao orçamento do Ibama. O Fundo Amazónia — criação do Governo de Lula em 2007 — poderá vir a perder 1,5 biliões de reais após Bolsonaro ter, unilateralmente, extinguido o comité colegial que geria os fundos entregues pela Noruega e Alemanha para proteção da floresta. Quarenta por cento deste fundo era entregue a Organizações Não Governamentais e universidades, os restantes 60% eram entregues a entidades do Estado com a incumbência de proteção da floresta, incidindo muito claramente na luta contra o desmatamento — entre elas o Ibama e o Inpe. Uma parte deste dinheiro era utilizado nos helicópteros de combate aos fogos. E os resultados estão à vista: o desmatamento cresceu exponencialmente, atingindo 66% de aumento este julho último. Os focos de incêndio e queimadas em todo o Brasil cresceram 82%. Mais de metade na Amazónia.

Estas ações levaram a que os fazendeiros inventassem o “Dia do Fogo” em demonstração de agradecimento a Bolsonaro, e abriram a época das queimadas ilegais em simultâneo no início de agosto. Sempre houve desmatamento no Brasil, mas desde o pico de 2004, quando se implementaram políticas públicas de controle, que este vinha a cair a pique. Por isto, não podemos normalizar o que tem ocorrido com a ideia de que já tem vindo a acontecer. Acontecia sim, mas a tendência era de reforço da ação pública para a fiscalização com efetiva redução.

Se a bancada do boi era já uma das mais poderosas no Brasil, desde a eleição do novo Governo que os poderes do agronegócio têm escancaradas as portas para lucrar com a destruição da Amazónia. Eleito o seu presidente, sabiam que a sua intervenção económica estaria totalmente respaldada pelo poder. Bolsonaro libertou o açaime aos interesses privados que sempre cobiçaram o pulmão do planeta e se viam ultimamente restringidos. Desmantelou o apoio às instituições de supervisão e desmontou o apoio internacional. E pelo meio abriu a porta para a intervenção colonizadora e desrespeitadora dos direitos humanos de indígenas.

Calcula-se que a floresta da Amazónia já terá sido reduzida em 18%, e estudos recentes apontam ainda para que se atinja o ponto de não retorno aos 25%, momento em que o sistema não será capaz de se regenerar. Nesse momento, o “pulmão do planeta”, deixará muito provavelmente de assumir a função essencial na captura do CO2 que colocamos na atmosfera. A esta velocidade vertiginosa, a Amazónia não durará uma década.

Bolsonaro, ao retirar a ação do estado brasileiro e limitar o orçamento de institutos públicos, entrega a Amazónia e a humanidade ao agronegócio. Entretanto a Finlândia quer banir — e bem — a importação de carne brasileira pela União Europeia. Em Portugal, perante este plano orquestrado a palavra usada pelo Governo é compromisso. Mas o compromisso que Bolsonaro tem já está à vista. É esse o compromisso do Governo português?

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