Itália, uma frente radical contra a direita radical

Até onde pode ir a democracia para derrotar os que a querem esvaziar ou até, caso de Matteo Salvini, na Itália, demolir?

É normal e aceitável que, perante situações até agora excepcionais, a democracia lute pela sua preservação recorrendo a expedientes que, na sua substância, podem não ser democráticos? Há apenas uma dúzia de anos, a pergunta não faria sentido, porque o jogo democrático desenrolava-se dentro das rotinas dos padrões tradicionais. Hoje, o que se passa no Reino Unido e na Itália torna a reflexão importante – embora, sublinhe-se, a situação seja incomparável nos dois países. Até onde pode ir a democracia para derrotar os que a querem esvaziar ou até, caso de Matteo Salvini, na Itália, demolir?

Nos anos 30 do século passado as forças democráticas europeias e os comunistas engoliram sapos e juntaram-se em frentes populares destinadas a travar os autoritarismos emergentes. A fórmula é hoje irrepetível na Europa, porque a esquerda, com raras excepções, entre as quais a portuguesa, é incapaz de formar maiorias. Mas o mesmo tipo de urgência (ou desespero) começa a mobilizar as forças políticas para conterem a direita radical e antieuropeia. Em Itália, a aliança entre os Movimento 5 Estrelas (M5E) e o Partido Democrático (PD) é a expressão mais cruel desse desespero. A defesa da democracia faz-se subjugando os seus princípios.

Se houvesse uma ponta de normalidade, a queda do Governo de Salvini e Luigi di Maio forçaria a convocação de novas eleições – porque se havia alguma coerência entre populistas e radicais de direita para fazerem um governo, não se percebe que cimento pode unir os sociais-democratas do PD e os demagogos do 5 Estrelas. Certo é que um acordo imposto pelo PD e bem acolhido pelo Presidente italiano, por Bruxelas e pelos mercados forçou os populistas a renegar o seu passado e a aceitar a reversão das leis da emigração ou o respeito pelas regras da União Europeia. Mas todos sabemos que essa aceitação se faz por um instinto negativo: não resulta de qualquer convicção, antes da necessidade de evitar as eleições que com grande probabilidade ditariam a vitória de Salvini.

Nos novos tempos em que os partidos da direita autoritária e nacionalista são claramente a força ascendente da política europeia, havemos de ver a repetição de coligações contranatura como a que se fez por estes dias na Itália. Golpes contra a democracia tolerados pelo formalismo institucional como o de Boris Johnson hão-de multiplicar-se. A Europa que se fragiliza nestes processos repete os cenários que nos fazem lembrar, com as devidas cautelas, os anos de 1920 e 1930. Pode ser que o desfecho seja diferente – que, como alguns optimistas auguram, o espectro de uma Europa dividida, nacionalista, autoritária e avessa aos direitos humanos acabe por ser derrotado.

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