Bolsonaro exige desculpas a Macron para dialogar com o G7

A tensão entre os dois chefes de Estado levou os governadores dos estados da Amazónia a pedirem ao Presidente brasileiro que se concentre na crise nacional, numa reunião marcada pelo debate sobre a exploração económica da floresta e não pelos incêndios.

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Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendem que a Amazónia é uma das soluções para a crise económica brasileira Reuters/ADRIANO MACHADO

A Amazónia continua a arder e o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, disse não ter recusado ajuda internacional. Pondera agora voltar ao diálogo com o G7, mas há uma condição: o Presidente francês, Emmanuel Macron, tem de lhe pedir desculpas pela troca de palavras dos últimos dias. Reunido esta terça-feira com o seu governo e governadores dos nove estados da Amazónia, Macron voltou a ser alvo de críticas, enquanto os governadores dos estados do Amazonas, Pará e Roraima lhe pediram para aceitar a ajuda “bem-vinda”.

“Eu falei isso [não aceitar os recursos]?”, perguntou Bolsonaro aos jornalistas à porta do Palácio da Alvorada, antes de entrar na reunião com os governadores. E explicou as condições para aceitar a ajuda: “O senhor Macron deve retirar os insultos que fez à minha pessoa. Primeiro, me chamou de mentiroso. Depois, as informações que tive, é que a nossa soberania está em aberto na Amazónia”.

Bolsonaro teceu comentários desrespeitosos sobre a idade da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, e vários membros do seu Governo insultaram o Presidente francês. O chefe de Estado francês acusou o seu homólogo de lhe ter mentido sobre o seu compromisso ambiental e em resposta aos insultos com que foi mimado comentou que os brasileiros merecem um “Presidente à altura do cargo”.

Porém, o grande ponto de discórdia é a soberania sobre a Amazónia. Macron escreveu no Twitter “a nossa casa está a arder” e o Presidente brasileiro viu nessas palavras uma tentativa de um país externo se intrometer na Amazónia, acusando o Presidente francês de ter uma “mentalidade colonialista descabida no século XXI”. E a ajuda do G7 foi encarada como isso mesmo: intromissão na soberania brasileira.

Mas nem todos estão totalmente coordenados com Bolsonaro. Na segunda-feira à tarde, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que toda a “ajuda era bem-vinda” e que seria o Estado brasileiro a decidir como os 20 milhões de euros do G7 seriam usados – os líderes mundiais tinham atribuído o financiamento de operações aéreas de combate a incêndios. Contudo, o Palácio do Planalto acabou nesse mesmo dia por desautorizar o ministro ao rejeitar a ajuda.

O Presidente brasileiro não está sozinho no palco mundial. Ao seu lado tem o chefe de Estado norte-americano, Donald Trump, que esta terça-feira disse que o antigo capitão tem o seu “apoio completo e total” e está a fazer “um óptimo trabalho para o povo do Brasil”. E Bolsonaro retribuiu: “Obrigado Presidente! Estamos tendo grande sucesso no combate aos incêndios. O Brasil é e seguirá sendo exemplo para o mundo em desenvolvimento sustentável. A campanha de fake news fabricada contra nossa soberania não prosperará. Os EUA podem contar sempre com o Brasil”.

“Todos os recursos são importantes”

A recusa de ajuda internacional não foi bem recebida. Os governadores dos estados amazónicos queixam-se de não ter recursos suficientes para lidar com os piores incêndios dos últimos cinco anos no Brasil e, reunidos no Palácio da Alvorada, os líderes do Amazonas, Pará e Roraima pediram para que a ajuda fosse aceite, temendo repercussões negativas para a economia brasileira

“Todos os recursos e financiamentos são importantes e de todas as fontes. O objectivo é um só: a preservação do meio ambiente e da Amazónia”, disse Antonio Denarium, governador de Roraima, do PSL, o partido do Presidente. Já o governador do Pará, Helder Barbalho, deixou claro ser necessário “convencer aqueles que queiram nos ajudar em ampliar as ofertas financeiras”, por o valor proposto pelo G7 ser “muito pequeno” para a dimensão do problema dos incêndios.

Ainda que as chamas descontroladas continuassem a lavrar na Amazónia, a reunião não teve como principal ponto da agenda a gestão da crise nacional e Macron voltou a ser um alvo –​ um militar de alta patente limitou-se a apresentar a situação no terreno. Ao invés, Bolsonaro e os governadores discutiram estratégias para transformar a floresta na “alma económica” do Brasil, atacando pelo meio as reservas indígenas e recusando a demarcação de terras. “É hora de, sob a sua liderança, senhor Presidente, taparmos essa ferida [a das reservas ocuparem grande parte dos estados amazónicos]. Não queremos as terras dos índios, queremos as suas riquezas”, disse Mauro Mendes, governador de Mato Grosso, estado fortemente dependente do agro-negócio.

Houve até quem dissesse que o índio quer ser brasileiro e explorar as suas riquezas, com o Estado a ser o grande entrave ao “empreendedorismo”. “Os índios querem produzir por exactamente nestes locais [reservas] existem as maiores riquezas do Brasil: diamantes, ouro”, disse o governador de Rondónia, Marcos Rocha, sublinhando que os índios se queixam de não ter o “direito de trabalhar”.

“Estamos todos na mesma página sobre o assunto”, disse várias vezes o chefe de Estado aos governadores, com uma voz dissonante a surgir: “Os povos indígenas são brasileiros e brasileiras e detentores de direitos que devem ser respeitados e que estão escritos na Constituição, não podem ser ignorados por nós”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdB.

Baterias apontadas

O Presidente brasileiro tinha alvos bem definidos ao entrar na sala: a imprensa, representada nas críticas à TV Globo, e o Presidente francês. Acusou a imprensa de distorcer tudo o que diz e de fazer o jogo das potências que ameaçam a soberania brasileira e Macron de querer internacionalizar a Amazónia.

Mas a crítica mais dura contra o chefe de Estado francês partiu do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, relembrando que a “França não pode dar lição a ninguém”. “Essa posição colonialista do Macron além de ser lamentável, tem um passado triste. Noventa por cento das colónias francesas vivem em situação lamentável”, acusou o general Augusto Heleno.

Em reacção, os governadores pediram que o diálogo imperasse por se ter perdido demasiado tempo com trocas de palavras. “Estamos perdendo muito tempo com Macron, acho que temos que cuidar do nosso país”, disse o governador do Pará.

E, no momento de atribuir responsabilidades sobre os incêndios, houve quem não abordasse o tema e quem afastasse as responsabilidades do agro-negócio. “Eu vi agricultor a apagar incêndio, não ateá-lo”, continuou o governador de Rondônia, queixando-se da “repercussão absurda” que os incêndios tiveram na imprensa mundial por as queimadas serem algo que acontece todos os anos. “Não são os fazendeiros que estão a destruir a Amazónia”.

“Não podemos dizer que as ONG são inimigas do Brasil. Não adianta, não será tocando fogo nas ONG que vamos salvar a Amazónia”, criticou veladamente Dino, frisando: “A soberania nacional não se afirma retoricamente, afirma-se mediante cumprimento de deveres”. E as suas críticas continuaram, apontando baterias ao comportamento e palavras de Bolsonaro: “Os extremismos nunca são adequados no enfrentamento de uma temática complexa como essa do meio ambiente. Acho fundamental que façamos um discurso sempre ponderado”.

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