Xi Jinping e o medo da contaminação na China

No início dos protestos em Hong Kong, o aparelho de repressão e censura respondeu da forma que se esperava: silêncio absoluto, censura total. Agora há uma nova fase de propaganda oficial em que tudo é feito para glorificar a polícia de Hong Kong. Os media internacionais são acusados de divulgarem o “veneno colonialista mentiroso”.

E que tal acordarmos, debatermos e defendermos os valores da liberdade e da democracia em Hong Kong e na China? Os dirigentes portugueses e também os europeus mantêm um silêncio bastante cúmplice deixando o campo livre para que o inefável e perigoso Trump possa assumir uma posição elogiosa em relação a Xi Jinping, assumindo que este é “um grande líder que tem o respeito do seu povo. Ele é também um bom homem…”.

Quando Deng Xiaoping conseguiu garantir as assinaturas de Margareth Thatcher em 1984 e de Cavaco Silva em 1987 para resolver “as questões de Macau e de Hong Kong”, garantindo um prazo de 50 anos de relativa autonomia após a saída das administrações estrangeiras, não pensaram que cerca de 35 anos depois, os habitantes de Hong Kong soubessem bem que tipo de autonomia Xi Jinping verdadeiramente deseja para o território.

O modelo do PC da China para o futuro de Hong Kong e de Macau já existe e pode ser visitado: tratam-se das regiões autónomas de Guangxi Zhuang, Mongólia Interior, Tibete, Xinjiang e Ningxia. Nestas regiões a repressão, a censura, as prisões em campos de reeducação, com a justificação de independentismo e de terrorismo, são ainda mais duras do que noutras províncias.

E é isso que a população de Hong Kong não quer. Não existindo democracia representativa em Hong Kong, tal como não existia no tempo colonial, querem preservar para as atuais e futuras gerações as liberdades individuais e lutam por um parlamento regional e um governo da região autónoma que represente a população e não a cúpula do poder em Beijing.

No início dos protestos em Hong Kong, o aparelho de repressão e censura respondeu da forma que todos os observadores esperavam. Silêncio absoluto, censura total, assobiar para o lado na expectativa de que os protestos não perdurassem por mais de umas duas ou três semanas.

Mas sabiam que seria impossível criar uma barreira absoluta à informação que as centenas de milhares de chineses que visitam Hong Kong trariam. E assim rapidamente a simpatia pelos manifestantes de Hong Kong foi crescendo. Chegaram exemplos de pequenas manifestações de simpatia em instituições de educação em Shenzhen, em Foshan e em Guangzhou, na província de Guangdong.

O discurso de Xi Jinping é o mesmo de Deng Xiaoping quando lançou os tanques contra os manifestantes em Tienanmen. As acusações de que quem alerta para esta realidade quer a divisão da China e a independência de Taiwan, Hong Kong e de Macau são falsas. Não estão em causa questões de independentismo, que verdadeiramente nunca estiveram em cima da mesa nos casos de Hong Kong e Macau.

O medo de Xi é o do contágio. Onde em 1979, quando atravessei a pé a fronteira de Hong Kong com a China, existia uma pequena aldeia com alguns milhares de habitantes, ergue-se agora uma enorme cidade com mais de dez milhões de habitantes, uma grande proximidade cultural com Hong Kong, o terceiro porto de contentores da China e o terceiro centro financeiro depois de Hong Kong e Xangai, mas também a cidade da China com maior número de estrangeiros residentes (a seguir a Hong Kong) e com uma população originária dos mais diversos pontos da China.

A propaganda oficial não é dirigida a apoiar o governo de Hong Kong, este quase que é ignorado na propaganda interna. Tudo é feito para glorificar a polícia e as forças de segurança de Hong Kong. Os meios de comunicação social internacionais são acusados de divulgarem o “veneno colonialista mentiroso”.

A CCTV, a televisão pública chinesa, tem divulgado de forma insistente filmes dos anos 50 e início dos anos 60 nos quais é retratado o herói de guerra Yang Gensi, um mártir que, segundo a lenda, antes de morrer na Coreia matou sozinho quarenta soldados americanos. 

O principal vídeo de propaganda do Governo chinês divulgado pela CCTV intitula-se “A Polícia de Hong Kong, tem o nosso apoio - O mal não nos vencerá! Os polícias de Hong Kong têm o apoio de 1,4 mil milhões de compatriotas”. O vídeo, em vez de apresentar imagens recentes das manifestações e dos acontecimentos em Hong Kong, mostra imagens escolhidas de diversos filmes da indústria cinematográfica de Hong Kong. Filmes, como Firestorm de 2013, em que como é habitual os bons (os detectives e os polícias) combatem os maus (os bandidos e criminosos, membros das tríades na maior parte das vezes) e no fim ganham sempre os bons. Filmes cheios de lutas de grande aparato e saltos e golpes “à Jackie Chan”.

Tudo é feito para criar na população chinesa o ódio contra os manifestantes pela liberdade em Hong Kong e impedir o contágio democrático.

O apoio e a causa da liberdade em Hong Kong é de enorme importância para os que lutam pela paz e pela democracia no mundo. Trata-se de uma luta que pela primeira vez desde Tiananmen se desenrola na China. E um avanço da democracia na China teria consequências noutros continentes nos quais a luta pela democracia esta na ordem do dia.

investigador do movimento comunista internacional

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