É preciso mostrar que a Amazónia “tem valor de pé”, antes que seja tarde

A investigadora da Universidade de Lisboa Fronika de Wit viveu seis anos na floresta que ocupa 60% do Brasil — mas que serve o mundo todo ao mitigar o aquecimento global. Falta mostrar que “dá sempre mais lucro ter a floresta em pé”, que não é necessário derrubar árvores para agricultura e pecuária.

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A investigadora Fronika de Wit na Amazónia (estado do Acre), em 2013 DR

Há um mês que amigos de Fronika de Wit a inquietavam com relatos do aumento dos incêndios provocados por acção humana na Amazónia. As mensagens chegavam de locais que a doutoranda em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável conheceu durante os seis anos que viveu no Acre, um dos nove estados brasileiros da floresta amazónica. “Só quando o fumo chegou a São Paulo”, a 21 de Agosto, diz, é que o resto do “mundo acordou”. O fumo pode ver-se do espaço.

Entre 2011 e 2016, a investigadora holandesa da Universidade de Lisboa esteve na Amazónia Legal (área que engloba nove estados do Brasil) a participar em projectos de investigação desenvolvimento local sustentável e estudar formas de “incorporar o conhecimento indígena nas políticas climáticas”. Ensinou no departamento de Geografia da Universidade Federal do Acre e foi investigadora assistente no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia (IPAM). Viveu no estado “mais novo do Brasil”, o mais recente a integrar o território brasileiro e que faz fronteira com a Bolívia e o Peru. O que mais ouvia dizer sobre ele, em tom de piada? “O Acre não existe.” “É o fim do mundo”.

Mas em plena floresta tropical, a investigadora holandesa, com visto permanente para o Brasil e que fala português, encontrou rasgos de “criatividade” que fazem do Acre “um exemplo a seguir de desenvolvimento social e económico com preservação da floresta em pé” — modelo que o Governo de Jair Bolsonaro não parece interessado em apoiar. “Agora parece que os 30 anos de criação das políticas ambientais estatais, impulsionadas pelo ambientalista Chico Mendes, estão a ir abaixo”, lamenta. Com elas, caem também “os direitos territoriais dos povos indígenas” pelos quais o activista político brasileiro também lutou. A investigadora de 36 anos não o citou na entrevista telefónica ao P3, mas há uma frase do ambientalista assassinado em 1988 que resume a conclusão principal que a académica quer que se perceba: “No começo, pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras. Depois, pensei que estava lutando para salvar a floresta amazónica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.”

A 22 de Agosto, o governador do Acre declarou emergência ambiental por causa das queimadas não autorizadas e do fumo que escondia o verde da floresta, provocado para dar terreno a zonas de cultura e pasto, acusam organizações não-governamentais e ambientalistas. Ou pelas próprias organizações não-governamentais, numa tentativa de descredibilizar o governo depois de terem sofrido cortes no financiamento, acusou, sem provas, Bolsonaro

A origem dos incêndios ainda está por definir, mas o clima mais seco e a temperatura mais elevadas não são os culpados, dizem os especialistas. É um “conflito” entre quem vê a floresta como uma fonte supostamente infindável de recursos naturais a serem explorados e quem ali vive num “sistema holístico”, onde o desenvolvimento local e a preservação da floresta em pé não se deitam abaixo, explica Fronika. Para a investigadora, a mensagem política de Jair Bolsonaro é “irresponsável”. “Os cortes nos orçamentos dos órgãos de fiscalização deixam os produtores à vontade” para abrir caminho à destruição da floresta tropical. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) brasileiro anunciou que a desflorestação da Amazónia aumentou 278% em Julho, em relação ao mesmo mês de 2018.

Depois de semanas de silêncio seguidas de acusações infundadas, Bolsonaro admitiu, nesta quinta-feira, que a situação está “descontrolada” e que o Brasil não tem meios adequados para combater os mais de 72 mil fogos em todo o país, um aumento de 84%, em comparação com o período homólogo de 2018. A maior floresta tropical do mundo é a região mais afectada.

A investigadora defende que a aposta deveria estar na prevenção e deposita esperanças nas estratégias de inovação “de baixo para cima”: ou seja, nos governos dos nove estados amazónicos brasileiros. E em mostrar que “dá sempre mais lucro ter a floresta em pé”, que não é necessário derrubar árvores para agricultura e pecuária para o território ser rentável, a nível económico e não só. Também duvida que a atenção mediática internacional faça tremer o presidente que já classificou as decisões de chefes de governo europeus como sendo de “uma mentalidade colonialista descabida no século XXI”.

No mesmo dia em que a França e a Irlanda ameaçaram mandar abaixo 20 anos de negociações para um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, a Finlândia apelou à União Europeia que considere a possibilidade de banir as importações de carne brasileira uma vez que a indústria agropecuária é a principal culpada da desflorestação na Amazónia. “Às vezes não vemos tão bem estas relações porque a Amazónia parece estar tão longe, mas nós aqui, com uma mudança no nosso estilo de vida, também podemos dar um sinal ao Brasil”, defende a investigadora. Fronika também diz ser importante uma redução no consumo de carne, visto que os animais “criados em Portugal são alimentados com soja brasileira”. Lembra também que o consumo de alimentos com óleo de palma deve ser questionado.

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