Escolas (mais) inclusivas

As crianças “trans” e intersexo existem, sempre existiram e continuarão a existir e são dos indivíduos mais vulneráveis no ambiente escolar, susceptíveis ao bullying e aos maus tratos.

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Daniel Rocha

Dia 16 de Agosto foi publicado em Diário da República o despacho que estabelece as medidas administrativas para a não-discriminação de jovens e crianças “trans” e intersexo, cuja publicação já estava prevista na lei aprovada em Agosto de 2018.

Este despacho, de extrema importância, irá assegurar a segurança e o respeito pela identidade e privacidade das crianças “trans” e intersexo, permitindo que “utilizem o nome auto atribuído em todas as actividades escolares e extra-escolares” e garantindo a “confidencialidade dos dados dos jovens que realizem o processo de transição de género”.

A lei prevê também que seja “respeitada a utilização de vestuário no sentido de as crianças e dos jovens poderem escolher de acordo com a opção com que se identificam, entre outros, nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo” e garante “que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”. E, de tanta importância como as medidas anteriores, prevê a existência de formações dirigidas ao pessoal docente e não docente “de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o efectivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios”.

Este despacho é uma lufada de ar fresco para as crianças e jovens “trans” e intersexo que até então, na maioria dos casos, viam as suas identidades desrespeitadas, a sua privacidade e integridade violadas num espaço tão essencial nas suas vidas como a escola. Esse tipo de desrespeito e discriminação fazem parte da minha história pessoal e da minha experiência no ambiente escolar, assim como da de muitos outros jovens “trans”. Terminei este ano o ensino secundário, portanto não sentirei os efeitos do despacho, mas sei bem a falta que me fez. Onde faltavam directivas do Ministério da Educação, cada escola ia lidando com a situação à sua maneira, muitas vezes longe da ideal.

Não podemos esquecer que o dever da escola é permitir que todas as crianças e jovens possam aprender e fazer parte da vida escolar em condições de igualdade, o que só é alcançável através do pleno respeito pela identidade e individualidade de cada aluno e aluna. A forma como tratamos as crianças e jovens reflecte-se no seu desempenho académico, na sua motivação e no modo como encaram a escola, resultando muitas vezes no seu isolamento, na deterioração da sua saúde mental, culminando, por vezes, no abandono escolar.

As crianças “trans” e intersexo existem, sempre existiram e continuarão a existir e são dos indivíduos mais vulneráveis no ambiente escolar, susceptíveis ao bullying e aos maus tratos não só dos seus pares, mas como do pessoal docente e não docente, muitas vezes por ignorância e desconhecimento, mas também por preconceito e transfobia. Espera-se, daqui em diante, que as escolas possam ser (cada vez mais) inclusivas de modo a abrigar debaixo da sua asa todos e todas, sem excepção, combatendo a discriminação e formando indivíduos socialmente conscientes.

 
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