Advocacia: acesso e exercício reservado a quem pode

Já lá vão muitos anos desde que a Ordem dos Advogados foi tomada de assalto pelas grandes corporações e sociedades de advogados, retirando cada vez mais espaço ao advogado generalista e à prática individual. É um jogo de ganância.

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Em ano de eleições na Ordem dos Advogados (OA), proliferam as declarações de interesses e as juras de amor eterno a esta nobre profissão. São desenhadas estratégias e esboçados objectivos, exactamente pelos mesmos que há muito vão definindo o futuro da advocacia. Não são os nomes e as caras que constituem o problema, mas as políticas que representam.

Já lá vão muitos anos desde que a Ordem dos Advogados foi tomada de assalto pelas grandes corporações e sociedades de advogados, retirando cada vez mais espaço ao advogado generalista e à prática individual. São 32 mil advogados que hoje são representados por uma elite fundamentalista, que a tudo recorre para não deixar escapar das suas mãos o actual estado de coisas. Os príncipes da advocacia que hoje dominam a OA estão desligados da realidade e da vida quotidiana porque não a vivem com os demais, de tal forma que pouco ou nada dizem a seu respeito. No entanto, quanto mais nos aproximamos das eleições, mais os vemos a escrever e falar para os jornais, como se só agora tivessem chegado. Como se não tivessem tido a oportunidade, no exercício dos mais variados cargos que ocupam, de lutar para que o futuro da advocacia não fosse tão negro como se vislumbra.

O percurso natural de um licenciado em Direito começa a ser cada vez menos o exercício da advocacia. É caro aceder à profissão, mas mais caro ainda é exercê-la. Estamos a falar de valores avultados que vão directamente para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), sem que esta garanta o mínimo de apoio digno aos advogados que a ela recorram. Estariam os advogados bem melhor servidos se houvesse a possibilidade de recorrer e descontar para a Segurança Social. No entretanto, a Caixa de Previdência vai investindo em fundos imobiliários, jogando o dinheiro que recebeu de milhares de profissionais, com a esperança de ter sorte e encaixar mais algum.

É um jogo de ganância. Os advogados têm escolhas a fazer para o próximo triénio e essas escolhas não podem ser feitas sem que se reflicta no papel que a OA tem tido nos últimos anos e quem, de entre os que se propõem a liderá-la, tem responsabilidades a serem assacadas.

São centenas os advogados que trabalham de forma desproporcionada nas grandes sociedades de advogados, perfilando-se como verdadeiros exércitos de precários que a nada têm direito a não ser um salário de 800 euros. É indesmentível que estes advogados e também advogados estagiários estejam a exercer num verdadeiro contexto de trabalhador assalariado, mas sem contrato, subsídio de férias ou de Natal e sem a segurança que se exige para um trabalho com tamanha responsabilidade. São cumpridos todos os pressupostos e presunções de uma verdadeira relação laboral e não nos escondamos por de trás do argumento da independência técnica. Existe na teoria, mas todos sabemos que não existe na realidade.

A eminente subida das contribuições para a CPAS e a cada vez maior menorização da profissão na vida da justiça em Portugal são só algumas das razões para que estejamos todos muito preocupados. Estas são questões que merecem o real relevo no debate que se avizinha e não quem é mais importante e influente.

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