O futuro do capitalismo e o Homo benignus de Bernard Maris

Bernard Maris recorda-nos que o capitalismo é um tempo curto na história da humanidade: tudo o que o faz — isto é, a técnica, o excedente, o juro, a troca, o trabalho, a acumulação — existe desde sempre.

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Eric Gaillard/Reuters

Bernard Maris era accionista do semanário francês Charlie Hebdo.  Aí manteve, durante vários anos, uma crónica semanal que assinava sob o pseudónimo Oncle Bernard, ou para nós, Tio Bernardo. Foi assassinado em 2015, no ataque terrorista dos irmãos Chérif e Saïd Kouachi à sede do jornal, conjuntamente com os colaboradores e colegas de redacção Phillippe Honoré, Mustapha Ourad, Elsa Cayat, e os cartoonistas Charb, Wolinski, Cabu e Tignous. Tinha 68 anos.

Bernard Maris, para além de ensaísta, romancista e jornalista, com intervenções regulares na televisão e rádio francesas, era economista. Nas palavras de outro economista, José Reis, e que faço minhas, era um economista culto, informado, empenhado no debate público e tolerante. Doutorado em ciências económicas, especialista em Keynes, foi professor universitário e membro do Conselho Geral do Banco de França. Deixou uma obra económica vasta, com alguns best sellers, incluindo os incontornáveis A Bolsa de Valores ou a vida - A grande manipulação de pequenos accionistas (2000), os dois volumes do Anti-manual de economia (2003 e 2006), Marx, oh Marx, porque me abandonaste? (2010), e, ainda, Carta aberta aos gurus da economia que nos julgam imbecis (1999) — o único deste lote com edição em português.

Mas é no seu livro O futuro do capitalismo, publicado este ano, em Portugal, em que traça a evolução do “poder mais decisivo da nossa vida moderna”, que nos apresenta este Homo benignus, que poderá ser “para lá do capitalismo”, o seu “além pacificado”.

Antes disso, explica-nos o que é o capitalismo. Recorda-nos que o capitalismo é um tempo curto na história da humanidade: tudo o que o faz — isto é, a técnica, o excedente, o juro, a troca, o trabalho, a acumulação — existe desde sempre. A especulação, também. O que faltava para criar o capitalismo nas economias pré-modernas era a generalização do crédito e com ele do dinheiro e dos grandes mercados, uma relação diferente com o tempo, “o tempo linear da acumulação”, em contradição com o tempo cíclico da natureza e da ecologia, o trabalho livre e a máquina — com a submissão da ciência à técnica. O capitalismo nasce quando o seu espírito “habita a maior parte dos dirigentes, e rapidamente toca a sociedade, por meio do trabalho e da tecnociência”.

É a partir destes temas e das contradições que o trabalho, a técnica, a natureza e o tempo criam na relação com o ser humano, e como podem ser resolvidas, que Bernard Maris analisa transições possíveis do capitalismo, “saídas por cima” e “saídas por baixo”, relativamente ao seu futuro.

Uma saída tranquila, propõe, passaria pelo triunfo do Homo benignus. Que homem é este? Na raiz da palavra, é um homem bom. O homem de uma economia humanista. O homem que pode coabitar com o Homo oeconomicus, mas que se distingue deste por ser um homem do conhecimento, “a nossa nova abundância”, e que está “mais interessado na beleza do que na utilidade”. É, também, o homem do trabalho bem feito, que protege à sua volta em vez de destruir, da solidariedade, que não perde ao dar aos outros, e do altruísmo.

O exemplar que li foi um presente de alguém que se entusiasmou com a esperança singela desta proposta. Para saber mais sobre o capitalismo e este Homo benignus, vale a pena ler por inteiro O futuro do capitalismo, livro feito com clareza e palavras simples, mas sem simplismo de raciocínio e que, por isso, serve tão bem ao leitor leigo.

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