O planeta e o roteiro para a neutralidade humana

O planeta não precisa de ser salvo, a espécie humana é que precisa. Esta é, pois, uma responsabilidade de todos, que deve ser materializada em pequenas acções individuais e colectivas que, de facto, possam contribuir para melhorar o ambiente. Antes que seja tarde.

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Andreia Carvalho

O Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, fala dos perigos sem precedentes causados pela actividade humana e da necessidade imperiosa de os líderes mundiais ouvirem o que os cientistas andam a dizer há anos, antes que seja tarde de mais. A organização European Strategy and Policy and Analysis System (ESPAS) publicou o documento Global Trends to 2030, onde refere que, naquele ano, a temperatura será 1,5 graus mais elevada, algo que terá consequências dramáticas: verões mais quentes, aumento de incêndios rurais e de seca, diminuição de água e de colheitas.

Em Portugal, e num número significativo de países, fala-se de ambiente, do Acordo de Paris, de emergência ambiental, de neutralidade carbónica, de economia circular, do Plano Nacional para a Eficiência Energética, da estratégia nacional para a mobilidade activa, do Plano Nacional de Energia e Clima, etc. O roteiro para a neutralidade carbónica 2050 prevê que, nesse ano, o país dissipe, através do sequestro de carbono e de outras alternativas, o mesmo que emite em termos de gases de efeito de estufa (GEE). O desafio de adaptação às alterações climáticas irá mudar completamente a forma de vida nos domínios de utilização de energia, mobilidade, habitação, trabalho, agricultura e até mesmo a alimentação.

As florestas, no seu papel dissipador de GEE, terão um efeito essencial para a obtenção deste equilíbrio ambiental pelo que, como parte do processo de adaptação, será necessário reduzir substancialmente os incêndios rurais já que, sem surpresa, se constatou que, em 2017, os mais de 500 mil hectares de área ardida corresponderam a uma emissão de GEE para a atmosfera de cerca de 9% (inclui o sector da Floresta) da totalidade da emissão do país nesse ano. Neste ano ocorreu também a tempestade Ofélia, sendo que as temperaturas quentes, a falta de água e o vento forte podem ser relacionados com as alterações climáticas.

O país espera um incremento de financiamento, proveniente dos fundos e programas já existentes, como o Fundo de Eficiência Energética ou o Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos para se poder continuar a adaptar já que, em coerência com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, muito já foi feito em vários domínios.

Mas basta haver financiamento? Não! Existe um conjunto de acções que podem ser feitas, desde já, pelo cidadão e pelas organizações em domínios como energia, clima, transportes, ar, ruído, água, solo, biodiversidade e resíduos. Criar a noção e a obrigatoriedade de exercitar a higiene ambiental, tal como se faz habitualmente com a higiene pessoal, é, por exemplo, poupar no consumo de água em casa, diminuir a velocidade na estrada, evitar deixar luzes acesas, separar e depositar convenientemente os resíduos, não deitar plásticos e beatas para o chão.

As organizações podem aproveitar a transformação digital para melhorar os processos de mobilidade e identificar o estado actual do seu portefólio ambienta. Isto para que activamente cheguem a opções estratégicas que possam materializar a transformação sustentável, mantendo a viabilidade e a performance. São acções simples que todos podem fazer e não têm custo. Basta tomar consciência do estado dos oceanos e dos plásticos que os invadem para que se perceba que algo tem necessariamente que mudar.

O planeta, que desconhece o Acordo de Paris, os fundos de financiamento, os programas, os planos, as declarações, os discursos, sabe que tem que manter o equilíbrio para perdurar. Olhando para as catástrofes recentes (incêndios, terramotos, erupções vulcânicas, etc.) parece que o planeta já terá concebido o roteiro para a neutralidade humana que necessariamente prevê o “sequestro” adequado de humanos para garantir a sobrevivência.

Pela simples constatação do que está a acontecer, uma aproximação realista e pragmática chega rapidamente à dura verdade: o planeta não precisa de ser salvo, a espécie humana é que precisa. Esta é, pois, uma responsabilidade de todos que deve ser materializada em pequenas acções individuais e colectivas que, de facto, possam contribuir para melhorar o ambiente. Antes que seja tarde.

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