Separatistas do Sul do Iémen tomam Áden e complicam puzzle da guerra

Coligação internacional rompeu-se e Arábia Saudita ficou numa posição desconfortável com o conflito que lidera no país vizinho contra os houthis e, indirectamente, o Irão. O Governo de Hadi fica sem uma importante cidade.

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Forças separatistas comemoram entrada em Áden NAJEEB ALMAHBOOBI/EPA

A coligação internacional liderada pela Arábia Saudita lançou neste domingo um ataque contra Áden, a importante cidade portuária do Iémen, conquistada no sábado à noite pelos separatistas do Sul, que até agora faziam parte da coligação. A guerra que dilacera o país mais pobre do Golfo Pérsico há quatro anos e meio torna-se ainda mais complicada com a fractura entre os aliados.

Áden tem funcionado como a capital provisória do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi, o Presidente reconhecido internacionalmente, e apoiado por Riad (Hadi vive na Arábia Saudita, aparentemente em prisão domiciliária). Por outro lado Sanaa, a capital, é controlada pelo movimento dos houthis, que expulsaram Hadi do poder em 2014.

As milícias separatistas unidas sob o chapéu do Conselho Transicional do Sul juntaram-se à coligação internacional liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) contra os houthis, que não assumem ser apoiados pelo Irão – mas que toda a gente diz serem suportados militarmente por Teerão. Por isso o Iémen é um terreno de “guerra por procuração” entre sauditas e iranianos.

As prioridades dos separatistas do Sul para o futuro do Iémen não coincidem, no entanto, com as Hadi, a quem acusam de ser corrupto e gerir mal o país, diz o New York Times. O Conselho Transicional do Sul, cujas raízes estão no Movimento do Sul – criado em 2007 em protesto contra o ex-Presidente Ali Abdullah Saleh, deposto durante a Primavera Árabe iemenita pelos houthis – está a tentar recriar a ideia do Iémen do Sul como um Estado independente. Até 1990, havia dois países, Iémen do Sul e Iémen do Norte. A actual guerra reavivou os sentimentos independentistas.

Mas mais directamente, os separatistas acusam um partido islamista aliado de Hadi de cumplicidade num ataque com um míssil contra uma parada militar que matou um comandante sulista – esse foi o gatilho que desencadeou os combates por Áden, que se iniciaram na quarta-feira.

Os sulistas ligaram-se particularmente aos Emirados, interessados em defender interesses estratégicos na sua fronteira. Os EAU, conhecidos como a “Esparta do Golfo”, e para quem é muito importante ter controlo sobre o Sul do Iémen, em especial sobre a cidade portuária de Áden, treinaram 90 mil soldados dos independentistas.

Mas os Emirados Árabes Unidos anunciaram em Julho que pretendiam retirar as suas forças do Iémen. O emir Mohammed bin Zayed estará farto de uma guerra que parece impossível de ganhar, e da pressão constante de parceiros internacionais. Este anúncio foi entendido como uma retirada total, que deixaria a Arábia Saudita de Mohammed bin Salman quase sozinha na sua guerra.

Isso não vai acontecer, têm assegurado fontes de ambos os países. Mas a estabilidade da coligação foi posta em causa.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Iémen – do Governo de Hadi – acusou os EAU de ajudar os separatistas a montar um golpe para tomar Áden, diz a Bloomberg. É uma acusação sem precedentes entre o que se supunha serem aliados. Os Emirados não responderam a estas acusações, embora o chefe da diplomacia tenha expressado “uma profunda preocupação” com que se estava a passar.

Sem Áden, as forças leais ao Presidente Hadi deixam de ter uma base numa das cidades mais importantes do país, o que pode deixá-lo em posição de fraqueza nas negociações com mediadores internacionais para tentar chegar a uma solução de paz num conflito em que morreram dezenas de milhares de pessoas e que arrastou milhões para uma situação de fome e doença. Riad anunciou que vai acolher uma reunião de emergência para tentar repor a ordem.

O enviado especial das Nações Unidas, Martin Griffiths, tem-se esforçado por salvar um acordo para a retirada de tropas alcançado entre os houthis e o Governo de Hadi em Dezembro, na Suécia, e em acalmar a tensão entre os houthis e a Arábia Saudita, depois de o movimento rebelde ter intensificado, nos últimos meses, a campanha de bombardeamento com mísseis contra alvos sauditas. Mas o que este novo episódio mostra é que para alcançar a paz será preciso incluir nas conversações mais algumas das facções em combate neste país dividido que é o Iémen, incluindo os separatistas do Sul.

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